Por Vanessa Jurgenfeld, do jornal Valor Econômico
Seria importante e possível a realização de investimentos em diferentes cidades do país para que o esgoto doméstico vire água potável, segundo o professor Pedro Mancuso, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Ele diz, no entanto, que algumas iniciativas precisam vir antes do reúso, como o cumprimento do Plano de Segurança da Água, como recomendado pela Organização Mundial de Saúde, para que não haja problemas de doenças com a "reciclagem" da água, além de investimentos em redes seguras de saneamento básico.
Especialistas como Mancuso debaterão entre hoje e amanhã o reúso de efluentes em diferentes aplicações: irrigação; setor industrial (em áreas como lavagem de piso, jardins ou descargas sanitárias) e até no uso potável. O 1º Fórum Técnico Internacional "Reúso Direto e Indireto de Efluentes para Potabilização" trará experiências feitas em alguns locais nos Estados Unidos e na Namíbia.
Quase esquecido, o debate sobre formas de reaproveitamento da água ganhou força diante da crise hídrica no país. Segundo Mancuso, a cidade de Occoquan (EUA), por exemplo, possui um sistema moderno que poderia ser trazido ao Brasil. Trata-se de um sistema que reutiliza o esgoto doméstico da cidade. Faz um tratamento desse efluente, que é então jogado em um lago. Esse lago sofre processos naturais, como insolação, incidência de raios ultravioleta, e depois essa água, já tratada, é despejada em um rio e é captada para fins potáveis. "Não é nada de outro mundo. Se você considerar que nossos mananciais estão superpoluídos e não têm esses cuidados, eu acho que a gente tiraria de letra [fazer isso", diz Mancuso.
Segundo o especialista, o custo de sistemas de reúso como esses já não são mais tão altos, estando a tecnologia "universalizada". "O que não temos aqui, temos condição de trazer dos países desenvolvidos", explica. "Mas sempre que se fala em reúso tem que saber de onde a gente parte e onde a gente quer chegar. Se a gente sai de esgoto doméstico e quer chegar a determinados tipos de aplicações, a tecnologia é mais simples do que se você fizer reúso de efluentes industriais, porque esses podem conter elementos tóxicos", diz. Neste caso, seria preciso tecnologia mais complexa e mais cara.
Mancuso diz que o reúso não é, no entanto, uma solução para a crise hídrica que vive especialmente a região Sudeste do país, sendo parte de várias outras medidas que podem amenizar a situação. "É mais uma das práticas que a gente dispõe para conservar a água."
O fórum ocorrerá na faculdade de saúde pública, porque a crise não é encarada como um problema hidráulico. "Não é colocar uma bomba [de captação de água] que está resolvido o problema. É um problema de saúde pública. Se faltar água, podemos cair numa situação de calamidade pública, com a volta daquelas doenças do século XIX que praticamente não existem mais, como febre tifoide e cólera", diz Mancuso.
Ontem, cerca de 50 moradores fecharam uma avenida no bairro Jardim Santo Antônio, em Campinas (SP), em um protesto pela falta d'água. Eles afirmam estar desde sexta-feira sem água. O sistema Cantareira, um dos que abastecem a região metropolitana de São Paulo, operava ontem com 4,5% de sua capacidade.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) pretende acionar o Ministério Público e o Procon para obrigar a Sabesp a divulgar o mapa de diminuição de pressão na distribuição de água. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na semana passada, a presidente da empresa, Dilma Pena, disse que a falta d'água só ocorria em lugares altos, longe dos reservatórios, afetando entre 1% e 2% da população da cidade de São Paulo. No entanto, os locais precisos e os horários exatos onde o problema ocorre não são divulgados pela empresa.
Segundo Carlos Thadeu de Oliveira, do Idec, com informações precisas de bairros que estão ou terão problemas, as pessoas poderiam se planejar, ou o próprio governo poderia tomar medidas para amenizar as dificuldades. "Mas não faz isso porque não quer reconhecer a situação", afirma.
Matéria publicada originalmente no jornal Valor Econômico.