Nas manifestações do ano passado os jovens chegaram a pedir, educadamente, desculpas pelo transtorno. Estavam mudando o Brasil. Algumas pessoas ficaram angustiadas, sem saber exatamente o que significava essa mudança. Para onde ir, o que fazer e como agir eram perguntas que não tinham resposta. Agora, a julgar pelo segundo turno da campanha à Presidência, tudo ficou muito mais simples.
Não será preciso ouvir especialistas, criar grupos de estudo, convencer parlamentares, mobilizar a sociedade. Isso tudo é muito complicado. O país vai mudar. Basta escolher um dos dois caminhos oferecidos e logo estaremos às portas do paraíso. O Brasil se transformou numa enorme festa de Parintins, num grande Bumbódromo, onde o importante é decidir se ficamos com o azul do Boi Caprichoso ou com o vermelho do Boi Garantido.
Na linguagem das redes sociais, tudo se resume em tirar os “petralhas” do poder, representantes do diabo. Ou, evitar a todo custo o retorno dos velhos “coxinhas”. Feito isso, é só correr para o abraço. Não teremos mais problemas econômicos e sociais, corrupção e desmandos. A partir de janeiro, nenhum brasileiro vai mais molhar a mão do guarda. Nenhum adolescente falsificará a identidade nem assinará o boletim em nome do pai. Não haverá mais sonegação de impostos, sinais avançados e carros na faixa de pedestre. Furar fila? Nem pensar.
Parece loucura. E é. Sei que as eleições, de um modo geral, são a festa da esperança. Uma espécie de réveillon com urnas. Mas o que estamos assistindo nestes dias é um grande baile, para o qual apenas loucos e cegos foram convidados. No futuro, quando a poeira baixar, algum historiador ou psicólogo vai explicar as razões que levaram ao ódio dominante nesta campanha. O fato é: seja qual for o resultado, a maior derrotada será exatamente a tal da esperança.
A revolta semeada hoje entre amigos, vizinhos e até casais vai crescer em forma de rancor. “Coxinhas” não vão se mudar para Miami e nem “petralhas” passarão a viver em Havana. Estarão todos por aqui. Certos de que a outra metade do país votou errado. O que tornará muito mais difícil qualquer mudança de verdade. Os desafios que nos esperam nos próximos quatro anos são tão grandes que já vi gente pensando em votar no adversário. Só pra se vingar.
Para começar, teremos um Congresso dividido em 28 pequenas repúblicas. Não pense que com isso será difícil formar uma maioria. Não será. Veremos figurinhas repetidas em álbuns diferentes. O problema é que custará muito mais caro. A tão sonhada reforma política, mais uma vez, não vai acontecer. As esperanças estarão depositadas no STF, que deve confirmar o fim do financiamento privado de campanha. Essa, sim, uma mudança fundamental. Grande parte dos desvios éticos que presenciamos hoje se deve a esse pequeno detalhe.
Outra reforma que não sairá do papel é a tributária. Em 2015, o modelo tributário brasileiro completará 50 anos. Durante todo esse tempo ele foi tema das campanhas eleitorais. Mas nunca mudou. Na verdade, mudou. Sempre para pior. Por que é assim? Porque muitos governadores e empresários, de estados importantes, se beneficiam da bagunça fiscal. Farinha pouca, meu pirão primeiro.
Por fim, a oportunidade de construir uma economia de baixo carbono deverá novamente ser jogada fora. Estaremos ocupados demais desconstruindo reputações. Um projeto que tramita no Congresso, apoiado pela Rede Nossa São Paulo e pelo Instituto Ethos, poderia amenizar um pouco essa situação e fazer o país caminhar. Ele torna obrigatória a elaboração e o cumprimento de um Plano de Metas pelos poderes executivos municipal, estadual e federal.
Se aprovado, o próximo presidente teria um prazo de 120 dias para fazer um diagnóstico da situação do país, apresentar os indicadores e propor metas que deveriam ser cumpridas ao longo do mandato. Temas como mortalidade infantil, número de miseráveis, doenças ligadas ao saneamento, área verde por habitante, uso do transporte público, empregos com carteira, qualidade do ensino e muitos outros.
Imagine que maravilha seria ver um debate sem precisar adivinhar quem mente ou fala a verdade. Metas transparentes. Objetivos tão claros e óbvios que, se levados adiante, melhorariam realmente a vida das pessoas. É possível. Mas será necessária uma dose grande de bom senso. Diálogos mais razoáveis. Itens que andam em falta há muito tempo.