Por Ricardo Brito, Nivaldo Souza e Adriana Ferraz
O Senado aprovou ontem à noite um projeto que alivia o "caixa” do governo e da Prefeitura de São Paulo. Todos os 61 senadores presentes à votação, acompanhada pelo prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), concordaram com a proposta que altera o fator de correção das dívidas que Estados e municípios têm com a União. A lei, que seguirá para sanção presidencial, reduzirá a dívida da capital em R$ 26 bilhões, ou 42% – o saldo passará de R$ 62 bi para R$ 36 bilhões.
O projeto beneficia, segundo cálculos preliminares, 180 municípios e sete Estados. A proposta foi apresentada pelo Executivo no início do ano passado ao Congresso Nacional e modificada quando passou pela Câmara dos Deputados.
O projeto original previa a troca do indexador das dívidas atuais, o IGP-DI mais 6% a 9% ao ano, pelo IPCA mais 4% anual ou pela taxa Selic (atualmente em 11,25% ao ano), o que for menor dos dois no momento. Contudo, os deputados permitiram que o fator de correção tivesse efeito retroativo. Essa mudança concede um desconto no estoque da dívida para os entes federados, que vale desde a assinatura dos contratos de refinanciamento, a maioria assinada no final da década de 1990, até janeiro de 2013.
Pressionado pela base aliada, pela oposição e por administradores estaduais e municipais, o governo Dilma Rousseff e a equipe econômica cederam nesse último ponto. Uma fonte do governo prevê uma redução de R$59 bilhões no estoque da dívida desses entes federados com a União. Desse valor, R$ 24 bilhões dos Estados e outros R$ 35 bilhões das prefeituras.
Beneficiada. A Prefeitura de São Paulo, que paga cerca de R$ 4 bilhões por ano em amortização da dívida, será a principal beneficiária da medida. Com a troca do indexador, será possível elevar o patamar de investimentos, que hoje é praticamente o mesmo do repasse feito à União. Mas, embora tenha comemorado a aprovação do projeto, Fernando Haddad disse que a retomada dessa capacidade ocorrerá "gradualmente”, em "menos de seis anos”. Haddad ressaltou, no entanto, que isso só vai ocorrer se a Prefeitura não contrair, até lá, novos empréstimos.
Para o petista, o mais importante é que a capital deixará a trajetória de "insolvência” em que se encontrava – a dívida municipal representa duas vezes a arrecadação da Prefeitura. "É uma vitória da federação. Mais de um quarto da população brasileira será beneficiado com essa repactuação. Na verdade, se fez justiça, porque o contrato estava desequilibrado”, disse.
O Ministério da Fazenda assegura que a aprovação do projeto não vai abrir espaço para o aumento do endividamento dos governos regionais, o que poderia ampliar a deterioração das contas públicas.
Aprovação é vitória pessoal de Haddad, que ganha fôlego
No dia em que assumiu o governo, o prefeito Fernando Haddad (PT) avisou que uma de suas prioridades seria convencer o Congresso Nacional a aprovar a renegociação da dívida do Município com a União. A intenção, também defendida por seus antecessores, José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), era elevar o patamar de R$ 3 bilhões aplicados anualmente pela Prefeitura em investimentos, considerado baixo para as demandas da cidade. No quinto dia de trabalho, o assunto já foi debatido com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em janeiro de 2013, a cidade devia R$ 53,2 bilhões – hoje são R$ 62 bilhões.
Por ser do mesmo partido da presidente Dilma Rousseff, Haddad sabia que teria mais chance de argumentar com o governo federal. O atual indexador obriga a cidade a repassar R$ 4 bilhões por ano à União e, consequentemente, engessa qualquer plano de governo. Com os números do prejuízo na cabeça e um programa de metas estimado em R$ 24 bilhões, ele passou a liderar um movimento nacional pela renegociação da dívida.
Mas, após a aprovação do novo modelo na Câmara dos Deputados, veio a surpresa: com problemas financeiros, Dilma deu ordem para frear o processo, que só saiu da gaveta agora, um ano depois.
No período, Haddad somou derrotas ao tentar aumentar seu caixa. Sem poder reajustar a tarifa do ônibus ou o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), restou ao prefeito investir no plano inicial. Depois de muita reclamação sobre a dívida, classificada como "impagável” e "constrangedora”, enfim, a vitória. Em 2015, Haddad terá mais fôlego para governar.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo
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