Por Adriana Ferraz e Rafael Italiani
Morador há 30 anos do Parque Cocaia, no extremo sul da capital, o pintor Raimundo Barbosa, de 38 anos, aponta para a Represa Billings e lamenta a degradação. "É uma injustiça não poder beber a água por causa da poluição. É uma pena não usar toda essa água nessa época de crise", afirma, sem saber que o manancial, com capacidade superior a todo o Sistema Cantareira, poderia ajudar a afastar o risco de desabastecimento.
Da represa que banha São Paulo, Diadema, São Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, 7,7 mil litros de água por segundo são destinados hoje para o consumo da população – em potência máxima, o Cantareira produz 33 mil litros por segundo. Outros 6 mil litros seguem para a Baixada Santista, onde geram energia e vão para o mar.
A subutilização do manancial como fonte de abastecimento, porém, não é explicada apenas pela quantidade de água destinada para a Usina Hidrelétrica Henry Borden, em Cubatão. Poluição, ocupação irregular das margens e assoreamento do corpo da represa compõem a lista. "O esgoto é jogado no córrego (que deságua na represa) até pelas casas que têm relógio de água (onde a coleta de esgoto é regularizada)", diz Barbosa.
No bairro Pedreira, na margem oposta onde vive o pintor, a população viu a degeneração da Billings a partir dos anos 1990, com o bombeamento das águas do Rio Pinheiros, em dias de temporal. "Quando eu cheguei aqui, em 1987, a represa tinha pássaros, macacos e área verde. Depois que começaram a puxar a água do rio ficou degradado", diz o líder comunitário Ricardo Prieto, de 46 anos.
A combinação de ocupação irregular às margens da Billings com a poluição do manancial já fez a represa perder 20% de sua capacidade de armazenamento, ou 240 milhões de litros de água. Segundo estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), o impacto no espelho d''água equivale a 2 mil campos de futebol.
O presidente da entidade, o ambientalista Carlos Bocuhy, afirma que a Billings não recebe atenção, mesmo na crise. "O governo fala em tratar o esgoto do Rio Pinheiros, mas não em despoluir a Billings. Por que, em seca histórica, tiramos 6 mil litros por segundo da população para energia elétrica?"
Para a especialista em Saneamento Ambiental da Universidade Federal do ABC (UFABC) Tatiane Araújo de Jesus, é preciso tirar o esgoto da represa não só para aumentar a vazão destinada ao abastecimento, mas para proteger a população. "O esgoto cria um ambiente mais propício para bactérias, que, por sua vez, produzem toxinas que causam problemas para a saúde", diz. Segundo ela, uma alternativa seria tratar o esgoto para produzir água de reúso.
Concepção
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) ressaltou que a Billings foi concebida para a geração de energia elétrica. "Por esse motivo, e não por questões ligadas à qualidade da água, é que ela não é usada em maior escala para o abastecimento", informou a empresa, em nota.
Além disso, a companhia informou que a água destinada à Henry Borden acaba sendo usada para o abastecimento via Rio Cubatão.
Responsável pela usina, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) afirmou que precisa de 6 mil litros por segundo para fazê-la funcionar. A Henry Borden produz 889 megawatts, energia suficiente para abastecer 2 milhões de pessoas. Seu foco principal, porém, são as indústrias da Baixada.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo