Conselho da Cidade aprova carta aberta ao prefeito sobre a crise da água

Documento defende a elaboração de um plano de contingência e propõe 25 medidas emergenciais para enfrentar o desabastecimento de água e evitar um colapso do sistema.

Por Airton Goes, da Rede Nossa São Paulo

O Conselho da Cidade de São Paulo, reunido nesta segunda-feira (15/12), aprovou uma carta aberta ao prefeito Fernando Haddad sobre a crise da água.

Com o título “Enfrentar a crise da água é urgente”, o documento defende a elaboração de um plano de contingência e propõe 25 medidas emergências, para enfrentar o desabastecimento e evitar que ocorra um colapso do sistema.

“Essas medidas, apesar de envolverem diferentes níveis de governo, não visam tirar a responsabilidade do governo do Estado que se omitiu frente à crise anunciada, mas sim enfrentar a iminente possibilidade de desabastecimento de água que estamos vivenciando”, assinala a carta aberta.

Confira ao final da reportagem a íntegra do documente entregue ao prefeito.

Além do documento aprovado pelo conselho, a urbanista Ermínia Maricato, uma das conselheiras da cidade, defendeu ainda uma maior fiscalização para proteger às áreas de mananciais da cidade. “Parece que a fiscalização não está funcionando”, cobrou ela.

Ao receber a carta aberta, o prefeito Fernando Haddad evitou criticar a forma com que o governo estadual está enfrentando a crise de água. “Sempre me incomodou muito o jogo de empurra da política” declarou, antes de emendar: “Nosso dever é buscar convergir ações para resolver os problemas da população”.

Ele relatou que os prefeitos da região metropolitana estão tentando uma reunião conjunta de todas as prefeituras abastecidas pela Sabesp. “Porém, ainda não tivemos êxito.”

Segundo Haddad, todo mundo torce pela recomposição dos reservatórios de água. “Mas, nós somos gestores públicos e não podemos contar só com a sorte”, considerou.  

Durante o encontro, o prefeito propôs que alguns integrantes do Conselho da Cidade participem das reuniões do comitê gestor do contrato entre a Prefeitura e a Sabesp.

Leia a íntegra da carta aberta sobre a crise da água:

CARTA ABERTA AO PREFEITO DE SÃO PAULO

15 de dezembro de 2014

ENFRENTAR A CRISE DA ÁGUA É URGENTE

O Conselho da Cidade, frente à possibilidade do desabastecimento de água em São Paulo, e considerando a gravidade da situação, decidiu pautar o tema da água, que é de grande importância para a população da cidade. O Prefeito de São Paulo abriu o diálogo com o Conselho da Cidade, sugerindo a criação de um Grupo Temático para pensar as ações que o município pode adotar para lidar com esta crise iminente e que afeta todos os demais municípios do estado de São Paulo.

O Conselho da Cidade defende a elaboração de um plano de contingência. O plano de contingência deve enfrentar o desabastecimento de água e evitar que a crise alcance uma situação extremamente crítica ou ocorra um colapso do sistema de fornecimento de água. Serve para minimizar os efeitos sociais, ambientais e econômicos da escassez de água.

A falta de água para as escolas, creches, unidades básicas de saúde, hospitais, e outros equipamentos públicos, requer iniciativas que articulem distintos órgãos públicos municipais, demandando uma coordenação executiva com poderes para organizar ações conjuntas, com participação da sociedade civil. Isso nos leva a propor a criação de uma “Sala de Situação” e um Comitê Gestor Municipal para lidar com a possibilidade do desabastecimento de água.

É preciso começar a agir agora, formulando políticas municipais que protejam os cidadãos no curto prazo e iniciem a transição para um modelo sustentável de produção e utilização dos recursos hídricos.

Para tratar do risco de desabastecimento de água em São Paulo, propomos a imediata convocação do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo, criado nos termos do artigo 5º da Lei Complementar 1.139/2011, e que hoje tem o Prefeito Fernando Haddad como seu presidente.

Da mesma forma, propomos a imediata convocação dos órgãos do SIGRH (Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo), em especial, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, os Comitês de Bacias do Alto Tietê, PCJ e Baixada Santista, para a criação de um Fórum Regional das Águas com ampla participação da sociedade civil.

Com consequências que vão muito além do desabastecimento imediato, é preciso avaliar os impactos sistêmicos da crise da água na vida pessoal, social, econômica e ambiental dos paulistanos e paulistanas, que irão conviver por anos com novas políticas de restrição do uso da água.

As proposições emergenciais a seguir apresentadas partiram de Conselheiros e Conselheiras, de entidades da sociedade civil e de pesquisadores, ressaltando a importante contribuição da Aliança pela Água para São Paulo. Essas proposições não esgotam o repertório de ações possíveis e não incluem as imprescindíveis iniciativas de médio e longo prazo, necessárias para lidar com a crise e evitar problemas futuros, mas elencam um conjunto importante de sugestões que podem ser implementadas imediatamente.

Essas medidas, apesar de envolverem diferentes níveis de governo, não visam tirar a responsabilidade do governo do Estado que se omitiu frente à crise anunciada, mas sim enfrentar a iminente possibilidade de desabastecimento de água que estamos vivenciando.

A água é um bem público e assim deve ser tratada pelo Estado e por suas empresas. Este documento propõe ações para a gestão da crise que estamos vivendo. Contudo, não podemos perder de vista a crise da gestão da água que já se estruturava há algum tempo e não será solucionada com medidas emergenciais que não revejam completamente o modelo adotado pelo Estado para garantir o acesso a esse bem público para a população.

PROPOSTAS EMERGENCIAIS

1)    Decretar o estado de emergência/ calamidade pública para poder mobilizar instrumentos e recursos que de outra forma não estariam disponíveis, como, por exemplo, a revisão de tarifas, bônus, e as multas para quem exceder metas de consumo, assim como a liberação de recursos para obras emergenciais.

2)    Solicitar a apresentação por parte da SABESP de seu plano de contingência com todas as responsabilidades financeiras, tratando os consumidores de acordo com o volume de seu consumo e sua atividade (Lei Complementar da Transparência 131/2009).

3)    A interrupção, o racionamento, ou ainda, a redução da pressão de fornecimento por períodos determinados tem que ser feito às claras e anunciado previamente, havendo controle social sobre sua execução. A crise é para todos e não se pode beneficiar a classe média e sacrificar a periferia.

4)    Garantir ampla divulgação das medidas de interrupção do abastecimento ou redução de pressão abaixo da norma, de maneira a permitir que a população se prepare para enfrentar esta situação e que seja garantida a qualidade da água.

5)    Assegurar o funcionamento de postos de saúde, centros de hemodiálise, hospitais, asilos, escolas, com o fornecimento de água. Evitar assim crises setoriais na saúde e na educação e assistência social.

6)    Adequar todos os próprios municipais para manutenção e implantação de medidas e equipamentos de uso racional da água, reuso de efluentes, reaproveitamento de água de chuva e redução de energia elétrica.

7)    Apresentação da listagem dos poços existentes, sua localização e destinação, visando a identificação de poços que possam garantir o uso emergencial, bem como da lista de prestadores de serviço autorizados a fornecer água por caminhão pipa.

8)    Solicitar ao DAEE a apresentação da lista de outorgas de nascentes e poços que poderiam ser declarados de utilidade pública.

9)    Realizar vistorias de poços e nascentes para realização de ensaios de vazão e da qualidade da água, objetivando a ampliação do uso de água subterrânea e de nascentes.

10)    Privilegiar a construção de cisternas em escolas e UBSs, para captação da água da chuva e garantir o funcionamento das instalações sanitárias.

11)    Implantar pontos de acesso a pequenas quantidades de água certificadamente potável em todos os bairros.

12)    Campanha pela televisão em prol da significativa redução imediata no consumo doméstico, e de cotas significativas do setor de serviços e da indústria, acompanhada de medidas educativas expressas em um manual de orientação para população, educadores, empresários.

13)    Tratar a água como recurso escasso dentro de casa: ensinar como se faz o reuso da água do chuveiro e da máquina de lavar roupa etc. Dirigir esta campanha principalmente para prédios.

14)    Dialogar junto ao DAEE para criar uma estratégia de aprovação de aproveitamento de água de drenagem de subsolo de edifícios para fins não-potáveis, solicitando suporte da CETESB para identificação das áreas contaminadas com substâncias que impeçam seu uso, mesmo para fins não-potáveis.

15)    Oferecer linha de crédito para compra de caixa d’água para quem não tem (descontar em 12 vezes na conta de água, por exemplo).

16)    Divulgar boletins diários sobre as condições do sistema em relação à vazão de entrada e de retirada, previsão de chuvas, qualidade da água das ETA, dos poços profundos, etc.

17)    Fomento à comercialização de equipamentos economizadores de água (torneiras de acionamento automático, redutores de pressão, válvulas de descarga dupla, mictórios sem água, e outros).

18)    Redução de IPI, ICMS, para equipamentos de baixo consumo de água, de aproveitamento de água de chuva, de tratamento de águas servidas para reuso, de sistemas de aproveitamento de água de drenagem.

19)    Redução de perdas na distribuição da água com a troca imediata de tubulações velhas e outras medidas que se fizerem necessárias em áreas centrais.

20)    Criação de uma lei de promoção de estímulos que obrigue consumidores intensivos de água e grandes consumidores, como shopping centers e indústrias, a utilizarem água de reuso devidamente tratadas e produzidas pelas ETEs e de medidas para penalizar quem não cumpra com as metas.

21)    Intensificar as ações de vigilância sanitária para garantir a qualidade da água.

22)    Solicitar da SABESP transparência nas informações sobre os grandes consumidores de água e sobre o volume e o direcionamento dos investimentos realizados (Lei Complementar da Transparência 131/2009).

23)    Exigir que os meios de comunicação que forem concessões públicas prestem o serviço adequado fornecendo informações corretas sobre a água, que é um bem público.

24)    Fazer uma análise da atuação dos órgãos e mecanismos federais, estaduais e municipais responsáveis por fiscalizar e monitorar o contrato de concessão de fornecimento de água, com participação da sociedade civil e do GT Água do Conselho da Cidade.

25)    Propor aos governos federais, aos governos estaduais (de São Paulo e Minas Gerais) e ao governo municipal a criação de um mosaico de unidade de conservação de uso integral na região da Mantiqueira e tomar medidas urgentes para preservar mananciais e nascentes através de novos parques municipais.

CONSELHO DA CIDADE DE SÃO PAULO

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