Acadêmicos e movimentos sociais querem mudanças nas regras político-partidárias. Medida foi elogiada por diretórios dos partidos e vista como forma de dar mais transparência às doações de campanha.
Por Hylda Cavalcanti
A tão esperada reforma política, mencionada no discurso da presidenta Dilma Rousseff e por parlamentares diversos no dia 1º como uma das prioridades para 2015, ainda não tomou corpo, mas a notícia de que a Resolução 23.432, recém-publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acaba com o sigilo bancário dos partidos políticos ajudou a acender a luz amarela das entidades da sociedade organizada que trabalham pela mudança de tais regras.
Para o cientista político Alexandre Ramalho, da Universidade de Brasília (UnB), além de combater o fim do caixa dois e ampliar a fiscalização dos partidos, a medida consiste num ataque frontal ao financiamento privado de campanhas. “Mostra que a mobilização da sociedade organizada está no caminho certo pela reforma e que conta com um apoio significativo, inclusive por parte de integrantes da magistratura”, afirmou.
Ramalho, no entanto, acredita que ainda é cedo para comemorar o aperto nas novas regras. “Em vez de ser comemorada, a resolução do TSE, ao contrário, sinaliza para que o trabalho de mobilização pela reforma política tenha continuidade. Apesar da necessidade de conscientizar a população, é do Congresso que precisa sair essa mudança. São os parlamentares que têm de ser pressionados e sabemos como eles (deputados e senadores) são refratários, quando se trata de prejudicar seus bolsos, principalmente em caso de doações para campanhas eleitorais”, completou.
Fim do sigilo
A resolução foi aprovada no último dia 16, depois de audiência pública com representantes de partidos políticos e órgãos de classe. Na prática, determina o fim do sigilo bancário das movimentações dos partidos políticos e tem o objetivo de ampliar a fiscalização sobre os recursos recebidos por estas siglas não apenas em períodos eleitorais, segundo esclareceu o atual presidente do tribunal, ministro José Antonio Dias Toffoli.
De acordo com o que estabelece o texto, todos os partidos passarão a ser obrigados a ter três contas bancárias. Uma, para movimentações do fundo partidário, a segunda, para doações de campanha e uma terceira para os demais recursos, sendo que a conta a ser destinada para as doações de campanha terá de concentrar todos os recursos usados em eleições, mesmo os recebidos em anos não eleitorais.
A resolução obriga as instituições financeiras a mandar extratos das contas à Justiça eleitoral a cada 30 dias, com a devida identificação de todos os responsáveis pelos depósitos contabilizados. Para se ter ideia da mudança, antes da resolução os partidos precisavam apresentar apenas um demonstrativo contábil em suas prestações de contas anuais, sem que fosse possível identificar se os dados correspondiam ou não à movimentação dessas contas.
O texto também institui a chamada contabilidade digital na fiscalização das contas das legendas e prepara o caminho para que, a partir de 2016, todas as contas de diretórios nacionais sejam feitas em formato eletrônico. A partir de 2017, essa obrigatoriedade passará a valer para os diretórios estaduais e, a partir de 2018, para os municipais.
Registro de advertência
Um dos trechos mais elogiados foi o item segundo o qual, os recibos de doação terão de ser emitidos a partir do site do tribunal, em numeração sequenciada por partido – com o registro de advertência aos doadores de que poderão ser multados em até dez vezes o valor doado, caso haja irregularidade na doação.
“Este item contribui em muito, em tempos de divulgação de tantas formas legais de doação saídas de licitações irregulares como as que foram observadas nas investigações da Operação Lava Jato (que apura pagamento de propinas nos contratos da Petrobras por empresas privadas)”, acrescentou Alexandre Ramalho.
Segundo o TSE, a utilização ou distribuição de recursos decorrentes de doações de campanhas eleitorais fica limitada a 2% do faturamento bruto verificado no exercício anterior, no caso de pessoas jurídicas. E, no caso de pessoas físicas, a 10% do rendimento bruto auferido pelo doador no ano anterior ao da doação.
Já as doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedades do doador ou da prestação de serviços próprios são limitadas a R$ 50 mil, apurados conforme o valor de mercado. Também ficou definido que as siglas poderão recusar doações em suas contas e devolver o valor ao responsável pelo depósito.
'Transparência e fiscalização'
Na última segunda-feira, o secretário do PT, João Vaccari Neto, afirmou que a legenda apoia a medida. “O PT é favorável à transparência no financiamento dos partidos políticos e à fiscalização de suas contas”, acentuou. Da mesma forma, o deputado Beto Albuquerque (RS), vice-presidente do PSB, considerou a resolução positiva. Um dos coordenadores do diretório nacional do PSDB, deputado Carlos Sampaio (SP), foi outro que elogiou a iniciativa. “Vem em boa hora e merece aplausos”, frisou, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo.
O secretário-geral do Pros, Radyr Júnior, disse que a medida conta com o apoio da sigla e já vem sendo cumprida. “O Pros procedeu dessa forma no período eleitoral e agora o TSE apenas irá trazer para o dia a dia dos partidos, o que é positivo, pois fará com que tenhamos mais cuidados, principalmente com as doações, para que não venham de fontes ilegais”, ressaltou.
A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), por sua vez, deixou claro que os bancos não terão problemas para se adequar às medidas e fornecer os extratos necessários, dentro do que pede o TSE. “O setor já cumpre outras normas da Justiça Eleitoral sobre contas usadas pelos partidos. Para os bancos vai ser uma regra a mais, sem dificuldades”, colocou o diretor da entidade Antonio Negrão.
Mobilizações em fevereiro
Além da resolução do TSE, também movimentou o debate sobre a reforma política a declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que só pretende apresentar seu voto na ação que avalia a constitucionalidade do financiamento privado de campanhas perto do final do ano. A informação sobre a declaração do ministro foi divulgada hoje (6) pela jornalista Tereza Cruvinel, no site Brasil 247, e levou integrantes da campanha intitulada “Devolve Gilmar”, que pede a entrega do voto-vista do ministro para a retomada do julgamento no STF, a retomarem as mobilizações.
Ao falar sobre o assunto, Mendes disse que não pretende apresentar seu voto-vista sobre a ação – apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – “tão cedo”, porque, segundo ele, entende que consiste “numa manobra combinada com o PT para criar outra forma de favorecimento e perpetuação no poder”.
“A resolução do TSE foi só um estímulo a mais para intensificarmos a luta pela reforma política, que é a base de todas as reformas do país. A mobilização é necessária, sobretudo, por conta de constatações de tantos opositores à ideia, como é o caso do Gilmar Mendes”, disse Vital Azevedo, representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) no Distrito Federal. Ele ressaltou que as entidades estão programando um ato público no início de fevereiro em Brasília, quando serão retomados os trabalhos do Congresso Nacional.
Também os integrantes do movimento “Devolve Gilmar” pretendem fazer ato semelhante. Mas o deles deverá ser realizado em frente à sede do STF, no início dos trabalhos do Judiciário.
Matéria originalmente publicada no portal da Rede Brasil Atual