Por Fabrício Lobel
A maior região metropolitana do país tem vivido, há mais de uma década, no limite da oferta de água, mas o Estado demorou a implantar medidas para diminuir o desperdício e, agora, pode ter de recorrer a ações ainda mais severas para evitar o desabastecimento da população.
Essa é a visão de Carlos Tucci, engenheiro premiado pela Unesco. Para ele, a sobretaxa que o governo implantou na semana passada em 43 municípios ajudaria a recuperar os reservatórios se tivesse sido adotada antes.
"Com melhor planejamento, teríamos que tomar essas mesmas medidas restritivas, mas com um risco menor", diz o professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
A tarifa extra, de até 100% na conta de água (excluindo o valor do esgoto), será aplicada a usuários cujo consumo mensal ultrapassar a média do período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014.
Nesta segunda (12), o sistema Cantareira, que abastece 6 milhões de pessoas, operava com 6,5% da sua capacidade, o menor índice no ano.
Leia a entrevista a seguir.
Folha – Qual o benefício da sobretaxa?
Carlos Tucci – É o melhor mecanismo a curto prazo. Nesta situação de crise e emergência, você tem que controlar a demanda. E a sobretaxa acaba servindo como um "racionamento econômico", para que a população tome medidas de uso racional.
A parte mais sensível do ser humano é o bolso, então o cidadão vai pensar duas vezes antes de gastar.
Se tivesse sido tomada antes, a sobretaxa poderia melhorar os índices dos reservatórios?
Quanto mais cedo você tomar essa medida, menos risco você toma. Teríamos mais volume se a decisão tivesse sido tomada antes, é natural. O voluntarismo [da população] é muito relativo. Você corre o risco de que parte da população não participe dessa campanha de redução.
A atual estiagem poderia ter sido prevista?
Do jeito que se configurou, acredito que não. Os modelos meteorológicos não teriam dado conta de tanto rigor nesse período seco. E tudo fica mais crítico quando você tem um ano de redução de 70% da vazão, como no sistema Cantareira.
No entanto, qualquer planejamento de longo prazo deve levar em conta o que deve ser feito em casos extremos.
Ao menos desde 2001, a Grande São Paulo está no limite da relação oferta e demanda [de água]. Não é possível que a maior região metropolitana do país esteja sujeita a esse tipo de risco.
Obviamente, o risco [de desabastecimento] sempre tem. Mas é possível reduzi-lo.
Como reduzir esse risco?
A médio prazo, buscando fontes alternativas de água, algo que o governo do Estado tem tentado agora. Além disso, atacar as perdas. Não é admissível que se percam 30% das águas no sistema.
Pode-se também trabalhar a demanda. Em 2004, por exemplo, Nova York percebeu que os vasos sanitários antigos gastavam muita água. Então, fizeram um programa de incentivo de troca de vasos. Em larga escala, o resultado foi enorme.
Em situações mais emergenciais, a Inglaterra já distribuiu sacolas plásticas que, dentro do reservatório da descarga, reduz o gasto de água.
Faltou esse planejamento?
É difícil julgar se houve erro. Talvez a Sabesp seja uma ótima empresa técnica e de execução de obras. Mas faltou uma visão de planejamento de conjunto.
Desde 2001, não aumentou muito a oferta de água na Grande São Paulo. Com melhor planejamento, possivelmente teríamos que tomar essas mesmas medidas restritivas, mas com um risco menor [de desabastecimento].
O sr. acha que o racionamento de água seria viável?
Não. Abrir e fechar a rede dessa forma é uma operação muito complexa. Qualquer erro pode causar danos à própria rede de tubulações.
Como o sr. espera que estejamos ao final de 2015?
O mais provável é que seja um ano médio em chuvas. Isso não deve repor os níveis dos reservatórios, mas pode garantir o abastecimento com uso racional da água.
Pode levar vários anos para recuperar os reservatórios. Isso era mais fácil quando estávamos com 20% ou 30%. Agora, é muito mais difícil. Certamente, não será neste ano ou em 2016. Até lá, temos que controlar a demanda.
E se não chover?
Essa situação tem que ser analisada constantemente. Em um caso ainda mais extremo, é possível que você tenha que taxar aquele que não conseguir reduzir [e não só quem aumentou o gasto, como ocorre atualmente]. Isso aconteceu em 2001 com a energia, quando o consumidor era obrigado a reduzir o consumo energético em 20%.
Hoje, admite-se que se gaste o mesmo que antes. É possível que tenhamos que obrigar a redução do consumo.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo