SP tem problemas de abastecimento desde ao menos o século 18

Por Marcelo Leite

Quem se aflige com a crise da água em São Paulo não tem noção das agruras que os paulistanos já enfrentaram para se abastecer. Sempre faltou água na cidade, ou pelo menos água não poluída e acessível para todos.

A distribuição pública, por meio de chafarizes, começou só por volta de 1750. Nos dois primeiros séculos após a fundação, cada um tinha de ir buscar a própria água, ou pagar aguadeiros para recebê-la em casa dentro de tonéis.

Jorravam das fontes águas do ribeirão Anhangabaú (hoje canalizado). Em 1791, verificou-se que elas estavam contaminadas, e nada se fez.

O padrão se repetiria nos séculos seguintes. A população aumentava, mas a "restrição hídrica", como diria o governador Geraldo Alckmin (PSDB), sempre retornava.

Com a crescente poluição dos riachos e rios próximos (Anhangabaú, Tamanduateí, Tietê), começa a busca por alternativas limpas. Não muito distante do centro havia uma serra em que abundavam os córregos cristalinos, apelidada de Cantareira (lugar dos cântaros), que entrou na mira do poder público em 1863.

Rede

Quase duas décadas depois surge o reservatório da Consolação (entre as atuais ruas Dona Antônia de Queirós e Visconde de Ouro Preto). Dali o líquido da Cantareira ia para os chafarizes.

Em 1883 começa a distribuição por rede de encanamentos. Dez anos depois, a Companhia Cantareira e Esgotos manda demolir as fontes para forçar ligações domésticas, o que deflagra protestos populares.

No ano de 1898, começa a captação das águas do rio Tietê. Em 1914, um surto de febre tifoide é atribuído à sua contaminação.

Em lugar de sanear o rio, a solução passa a ser buscar mananciais cada vez mais distantes, como a "represa de Santo Amaro" (Guarapiranga), o rio Claro, o rio Cotia. Grandes obras, soluções demoradas e precárias.

As crises de abastecimento se sucederam século 20 afora: 1903, 1925, 1932-33, 1937-38, 1956, 1985, 1990, 1994, 2000.

A velha Cantareira voltou a ser vista como solução definitiva –ainda que desviando as águas de outra bacia hidrográfica, dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).

Começa em 1967 a construção do gigante para verter 33 mil litros (33 m³) por segundo de água tratada. Só fica pronto em 1974, mesmo ano da criação da Sabesp.

Quarenta anos depois, São Paulo volta ao zero da estaca. E continua cercado de poluição -no Tietê, na Billings, no Pinheiros, que ninguém cuidou de manter limpos. 

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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