Por Natália Viana, da Agência Pública
A determinação do Corregedor-Geral da Administração Estadual, Gustavo Ungaro, proferida no dia 26 de janeiro, foi clara: "dou provimento ao recurso em análise, determinando que seja propiciado o acesso demandado". Ungaro deu razão ao recurso da reportagem da Pública que desde dezembro tenta ter acesso aos contratos de demanda firme assinados entre a Sabesp e grandes consumidores de água nos últimos dez anos. Os contratos garantem descontos de até 75% na tarifa da água para clientes comerciais e industriais – quanto maior o consumo médio, maior o desconto – e os obriga ao uso de uma cota mínima por mês, além de exigir o consumo exclusivo da água da Sabesp. Na prática, esses contratos inibem alternativas de abastecimento por parte das empresas como o reuso da água e a utilização de poços artesianos.
O corregedor deu 30 dias de prazo para a Sabesp enviar os contratos à reportagem da Pública. No dia 26 de fevereiro, em flagrante descumprimento à decisão, o Departamento de "Gestão de Crises" da Sabesp – que cuida internamente dos pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) – enviou a sua resposta. Em vez de mandar as cópias dos contratos reais, foi entregue apenas um "modelo" genérico acompanhado de uma planilha com dados parciais: nem o nome das empresas – identificadas apenas como "cliente número 1, 2, 3" – nem os valores das tarifas contratadas estão disponíveis.
"A Sabesp disponibiliza, em planilha anexa, as informações relativas aos contratos de demanda firme, sem, todavia, nominar seus clientes, em respeito à relação que mantém com os mesmos, como já pronunciado anteriormente, sendo relevante destacar que é amplamente favorável à promoção da transparência, não podendo, todavia, em nome deste princípio, se sobrepor aos demais direitos garantidos pelo Estado ao cidadão, notadamente os de caráter fundamental, como é o caso do direito à privacidade de nossos clientes". Essa foi a explicação da empresa ao enviar os dados, apesar do corregedor ter afirmado em sua decisão que considera "descabida a possibilidade da aplicação desta hipótese [de proteção à privacidade] no caso de informações relativas a pessoas jurídicas".
A determinação do Departamento de Assuntos Jurídicos e Disciplinares da CGA, que embasou a decisão do Ungaro, é ainda mais clara quanto à legitimidade do pedido feito pela reportagem: "A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme, mesmo com a restrição acima [número de contas bancárias] permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico. Afinal, de posse de tais contratos e adendos será possível apurar todas as demais informações objeto do pedido inaugural". Veja aqui a decisão completa.
"O que a gente vê é que, com base em um certo desconhecimento generalizado do uso da lei, os órgãos que omitem dados que não seria necessário omitir. E se valem muitas vezes de um amparo legal que não é real. A pergunta que fica é: qual o prejuízo que haveria para a Sabesp divulgar esses nomes?", diz Carlos Thadeu de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que tem feito diversos pedidos de acesso a dados da Sabesp sobre a falta de água em São Paulo. "A própria Lei de Acesso à Informação diz que é uma conduta ilícita ocultar total ou parcialmente informação que se encontra sob a guarda do agente público. Não pode simplesmente a Sabesp negar acesso a um dado por seu desejo ou conveniência", explica.
A reportagem comunicou ontem à CGA o descumprimento da decisão e agora aguarda um posicionamento do corregedor. Dentre as medidas cabíveis, ele pode autuar a presidência da Sabesp, enviando ofício de notificação do descumprimento da decisão, ou até determinar que se apure a responsabilidade de quem negou o acesso, já que se trata de descumprimento da lei. O próximo passo será recorrer à a Comissão Estadual de Acesso à Informação, instância máxima na avaliação do cumprimento da LAI por parte dos órgãos públicos estaduais. Se ainda assim a Pública não obtiver a resposta da Sabesp, a solução será apelar para a Justiça.
"Após quase três anos de vigência da LAI, temos observado muitas decisões judiciais favoráveis ao acesso à informação e à transparência", avalia Karina Quintanilha, advogada da organização Artigo 19, que defende a liberdade de expressão. "Consideramos que o pedido de informação feito à Sabesp trata-se de um caso emblemático e seus desdobramentos podem ter um impacto muito importante para a garantia da LAI no Brasil".
Leia a íntegra da resposta da Sabesp.
Matéria originalmente publicada no portal UOL Notícias