Terreno estava invadido por ativistas desde o início de janeiro; três torres serão erguidas nessa área no centro de SP. Grupo pede que Haddad desaproprie o local e o transforme em área de lazer; donas do terreno não comentaram o caso
Por EMILIO SANT'ANNA – Folha de S. Paulo
A Polícia Militar cumpriu no início da manhã desta quarta-feira (4) o mandado de reintegração de posse de um terreno ocupado por ativistas ambientais há mais de um mês no centro de SP.
O grupo cobra da gestão de Fernando Haddad (PT) a criação do parque Augusta nessa área, que pertence às construtoras Setin e Cyrela.
No local, as empresas planejam erguer três edifícios, obra aprovada em janeiro pelo Conpresp (Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
A invasão dos manifestantes ocorreu no início de janeiro. Eles encontraram os portões abertos e por lá ficaram desde então. Uma vigília com acampamento e atividades culturais foi montada para pressionar o poder público.
Na última madrugada, cerca de 500 ativistas circularam pelo local à espera da chegada da polícia. Por volta das 6h, um grupo de 200 permanecia no terreno. Uns dormiam, enquanto outros tocavam seus instrumentos e cantavam.
CHORO NO PARQUE
Às 6h30, com a chegada do oficial de Justiça, os manifestantes começaram a deixar o local. Muitos choravam.
"Não estou chorando porque sou fraca, mas de tristeza e revolta contra essa Justiça que atende apenas os interesses financeiros", disse a produtora cultural Olga Torres de Oliveira Nascimento, 33.
Apesar de os ativistas concordarem em sair, cinco deles resolveram resistir em cima de uma figueira centenária no meio do terreno. Com a chegada do Batalhão de Choque, houve confusão. Uma jovem ficou ferida na perna, sem gravidade.
A PM impediu a entrada de novos manifestantes no local enquanto cercava a árvore. Lá em cima, seus ocupantes vestiam roupas coloridas, batas floridas e carregavam faixas cor-de-rosa. Os bombeiros foram chamados para auxiliar a polícia nesse "resgate".
O impasse persistiu até pouco depois das 9h, quando o primeiro do grupo resolveu descer. Sob aplausos dos presentes, o produtor cultural André Napoleon, 21, deixou o terreno. "Eles estão dispostos a ficar uma semana lá em cima se for preciso", disse, ao sair.
Pouco depois foi a vez do Wesley Silvestre Rosa, 27, ativista ambiental na região da represa Billings, e do artista independente conhecido como Paulinho Fluxus, 30.
Leonardo Oliveira e um jovem que se identificou como Yuri também deixaram o local.
Os ativistas cobravam uma audiência com Haddad e rumaram em direção à prefeitura, interrompendo o trânsito na área central da cidade. O grupo, no entanto, não foi recebido pelo prefeito.
IMPASSE CONTINUA
Apesar do fim da ocupação e da devolução do terreno às construtoras, o impasse sobre o local ainda não acabou.
O Ministério Público, por exemplo, abriu inquérito para investigar possíveis irregularidades no projeto para a construção das torres.
Já a prefeitura, apesar de nada sinalizar a respeito disso, pode desembolsar R$ 70 milhões e desapropriar a área para a criação desse parque.
O dinheiro poderia vir de parte das indenizações a serem recebidas pela prefeitura por recursos que, segundo a Promotoria, foram desviados pelo ex-prefeito da capital Paulo Maluf (PP-SP).
Os bancos Citibank (EUA) e UBS (Suíça) se comprometeram a pagar US$ 25 milhões (equivalente a R$ 71 milhões) por terem sido usados para movimentar essas quantias desviadas da Prefeitura de São Paulo entre 1993 e 1998.
"Seria uma temeridade aprovar um projeto com tantas supostas irregularidades e com a possibilidade de compra ou desapropriação do terreno", diz o promotor.
Procuradas pela Folha, Setin e Cyrela não quiseram se manifestar sobre o assunto.
Matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo.