Lei que prevê obras no subsolo desde 2006 é descumprida, não há prazos e Prefeitura e Eletropaulo não se acertam sobre os custos.
Por Rafael Italiani
A comerciante Leilane Leite, de 51 anos, teve um prejuízo de R$ 6 mil após uma máquina de sua lavanderia no Itaim-Bibi, zona sul paulistana, entrar em curto-circuito. O barbeiro Raimundo Érico de Araújo, de 83 anos, ficou sem atender os clientes na Rua Tupi, em Santa Cecília, região central. No mesmo endereço, no dia 25, José Paulo Machado, de 55 anos, morreu eletrocutado. Nos três casos o problema foi o mesmo: o rompimento de parte dos cerca de 17 mil quilômetros de cabos da rede aérea de São Paulo.
Em 2014, só o Corpo de Bombeiros registrou 351 casos de queda de fios energizados – praticamente um por dia. Acidentes assim também causaram duas mortes no ano passado, no Tatuapé, zona leste. “Ultimamente tivemos casos bem trágicos na cidade, por causa de queda da fiação ou pelo rompimento de fios energizados. A fiação, quando está viva (termo usado para fios energizados), pode causar uma série de problemas como choques e incêndios”, afirmou o porta-voz da corporação, Marcos Palumbo.
Trata-se de um problema que fica mais claro após os temporais de verão, normalmente acompanhados de ventos fortes, que causam quedas de árvores sobre a rede e motivam interrupção no fornecimento de energia. A AES Eletropaulo relata que, entre o fim de dezembro e janeiro, de 489 mil a 612 mil clientes ficaram sem luz. Isso quer dizer, na prática, que até 20 mil endereços por dia ficam “apagados” pelo fato de a fiação não estar enterrada.
“O que a gente vê pendurado nos postes da cidade é uma irresponsabilidade”, disse o engenheiro elétrico Peter Alouche, pós-graduado em Sistemas de Potência pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “No momento, em São Paulo, temos 30 cabos passando em cada poste, em várias camadas. E existe uma moda de deixar novelos de fios pendurados. Esses fios derrubam árvores e matam pessoas eletrocutadas”, criticou o diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, Valter Caldana.
Não falta lei
Para Alouche, tanto o poder público quanto a AES Eletropaulo, que tem uma receita média de R$ 100 milhões apenas com o aluguel dos postes para empresas de telecomunicações, são responsáveis por viabilizar o enterramento da rede. Procurada, a Eletropaulo diz que não há lucro com os postes e destaca descontos na conta de luz.
Além de recomendação técnica clara, não falta lei para acabar com a fiação ao ar livre – e esta completará dez anos em 2016, sem ser devidamente aplicada. O Decreto Municipal 47.817, de 26 de outubro de 2006, estabeleceu o Programa de Enterramento das Redes Aéreas (Pera), determinando que 250 quilômetros lineares fossem enterrados anualmente. Dentro de um período de 24 anos 1/10 do total de fios existente deveria ter sido convertido pelo programa, sem considerar a taxa de crescimento do Município.
Conforme dados da própria Prefeitura, foram executados 250 km de enterramentos entre 2007 e 2013 – ou seja, em sete anos, o que a lei previa para um ano. Além disso, esses números se referem a novos projetos, em que a rede já é construída sob as vias. Assim ocorreu com as Ruas João Cachoeira e Oscar Freire, na zona sul, e José Paulino, na região central.
Em 2013 e 2014 foram enterrados 15 quilômetros – uma velocidade que exigiria mais 2,2 mil anos para que se enterrasse toda a rede paulistana. Em sua defesa, a Prefeitura alega que a Câmara Técnica de Gestão de Redes Aéreas está elaborando o cronograma dos enterramentos com prioridade para corredores de ônibus (mais informações nesta página) e convocará as concessionárias e permissionárias para apresentá-lo e definir prioridades.
Quem vai pagar a conta?
Mas não há nenhuma garantia nem prazo para novos enterramentos de fiação. Isso porque a disputa em relação a quem vai pagar a conta não está resolvida – nem nos tribunais. Existe no Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, uma ação para definir o não pagamento do uso do subsolo – o que acarretará também definição de custos em relação a seu uso.
A Prefeitura alega que a responsabilidade é das concessionárias – assim como a conta. Já a AES Eletropaulo sugere que o poder público financie 70% das obras. Uma das alegações é de que somente 30% da tarefa é de sua responsabilidade – envolvendo fios e instalação. O restante é obra civil, que deve ficar a cargo da municipalidade. Em última instância, a fatura acabará com o contribuinte.
Para Sidney Simonaggio, vice-presidente de Operações da AES Eletropaulo, o enterramento pode criar o que ele chama de “injustiça tarifária”. “Bairros sem enterramento teriam de pagar pelo custo da instalação de regiões onde os cabos ficam no subsolo.” A concessionária sugere dividir os custos com o paulistano, aumentando o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), por exemplo, em bairros que terão o uso subterrâneo, ou cobrando taxas de contribuição sobre melhorias.
Estima-se que cada quilômetro de fiação que vai para o subsolo custa R$ 10 milhões. Ou seja, o custo anual da legislação de 2006 chegaria a R$ 2,5 bilhões – e todos os investimentos previstos pelo administração Fernando Haddad (PT) para este ano somam R$ 8 bilhões.
Para reduzir valores, a concessionária de energia defende ainda isenção de tributos, como o Imposto sobre Serviços (ISS), para fazer o trabalho – uma vez que enterrar um fio custa 15 vezes mais do que colocá-lo em um poste. E sugere que não haja implementação em toda a capital – mas apenas em bairros mais adensados, com maior demanda de energia e comunicação. Hoje, 40% dos fios da capital se encontram no subsolo.
Corredor
Conforme a Portaria 261, publicada no dia 24 de fevereiro, avenidas e corredores de ônibus terão prioridade na conversão de redes aéreas em subterrâneas. Ou seja, a ideia é enterrar os fios nos 150 km previstos como bandeira para a atual gestão, incluindo a Avenidas M’Boi Mirim. Por enquanto, porém, não há prazo para esses corredores saírem do papel. Nesta semana, a Câmara pode votar o projeto de revitalização da Avenida Santo Amaro, com enterramento de cerca de 3 km de fios. Foi ali que a comerciante Valeria Dragonetti, de 51 anos, teve de alugar um gerador para não fechar a loja quando um transformador queimou. “O prejuízo é de R$ 7 mil por dia", disse. O enterramento está previsto ainda em projetos nas Operações Urbanas Água Branca, Água Espraiada e Faria Lima.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo