Por Fabrício Lobel
Diante da crise hídrica e do consequente aperto financeiro, a Sabesp prepara um plano para cobrar municípios em dívida com a empresa de água do governo de São Paulo.
O plano traça cinco passos para a cobrança, sendo que o último recurso é o corte do fornecimento de água para os municípios de Guarulhos, Mauá e Santo André, todos na Grande São Paulo.
Os sistemas de distribuição dessas cidades não são operados pela Sabesp, mas todas elas compram água por atacado da companhia paulista.
Informado pela reportagem da Folha, o diretor financeiro do departamento de águas de Guarulhos, Heraldo Marcon, reagiu à ideia. Segundo ele, o efeito dessa medida seria "catastrófico".
De acordo com a Sabesp, os três municípios devem, juntos, R$ 6,6 bilhões. O pagamento de parte da dívida aliviaria o atual aperto financeiro da estatal e possibilitaria ampliar os investimentos diante da grave crise da água.
A empresa, que lucrou R$ 1,9 bilhão em 2013, viu, no ano passado, esse ganho despencar para R$ 903 milhões.
Agora, para compensar perdas diante da crise (com a escassez hídrica, passou a vender menos água), ela quer um reajuste de 22,7% nas contas de água e esgoto, o que ainda está sob análise da agência
reguladora do setor.
Plano de cobrança
O plano preparado pela empresa do governo Geraldo Alckmin (PSDB) cita que a Justiça e a população estão mais sensíveis à questão da água, o que, segundo eles, poderia facilitar a cobrança.
Em primeiro lugar, segundo documento obtido pela reportagem, o plano prevê agilizar o recebimento dos precatórios (dívidas dos municípios que devem ser pagas por decisão judicial). Por esse meio, a empresa espera receber R$ 2 bilhões da dívida, parcelados em 15 anos.
O próximo passo seria buscar na Justiça que o pagamento dessas dívidas seja vinculado ao Orçamento do município devedor, e não do órgão municipal que cuida da água.
A terceira etapa seria cobrar judicialmente as garantias já previstas nos contratos entre Sabesp e cidades.
No passo seguinte, caso os anteriores não deem resultado, a Sabesp pediria a inscrição dos municípios devedores no Cadin (cadastro estadual de inadimplentes). A medida inviabiliza o repasse de verbas estaduais e o acesso a algumas linhas crédito.
Como último recurso, a Sabesp estuda pedir na Justiça liminares para cortar o fornecimento de água aos municípios devedores. De todo o plano essa é a medida que encontra maior resistência dentro da própria Sabesp.
A origem das dívidas vai de indenizações por quebra de contratos ao não pagamento pela água. Para Rubens Naves, advogado da Sabesp, a dívida poderia ser classificada como um "calote".
"Os municípios compram água da Sabesp, cobram de seus munícipes e não repassam esse valor", disse.
Segundo Naves, desde março do ano passado Guarulhos não paga nada pela água fornecida pela Sabesp, que abastece mais de 80% do município, o segundo maior do Estado de SP, com 1,3 milhão de habitantes.
Cobrança contestada
Cobrados pela Sabesp, Guarulhos, Mauá e Santo André afirmam discordar dos métodos de cobrança e de definição de tarifa da empresa de água paulista.
O município de Guarulhos, que, segundo a Sabesp, tem dívida de R$ 2,4 bilhões, diz que questiona na Justiça a tarifa cobrada.
Segundo a cidade, a conta deveria ser 40% inferior ao que é cobrado.
Guarulhos tem empresa própria de saneamento, que compra água da Sabesp. A cidade distribui essa água e depois cobra diretamente dos moradores.
Segundo a gestão, com o agravamento da crise hídrica, a redução da água fornecida pela Sabesp fez com que a cidade não conseguisse pagar pelo produto.
Afirma ainda que o valor arrecadado pela cobrança das contas foi usado para investir em troca de tubulações, programa de redução de perdas e salários dos funcionários da autarquia municipal.
Donizete Braga (PT), prefeito de Mauá, município que segundo a Sabesp deve R$ 1,7 bilhão, disse à Folha que negocia parte do passivo com a empresa
e trabalha para que a dívida não inviabilize o investimento da cidade em saneamento.
Assim como Mauá, a autarquia municipal de Santo André cobra transparência da Sabesp sobre os métodos usados pela empresa para definir as tarifas.
Diz que não reconhece a dívida com a empresa, que, segundo a Sabesp, chegaria a R$ 2,5 bilhões.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo