Bairros rejeitam zoneamento que garante áreas de moradia popular

Por Fernanda Mena

"Para nós, uma ou duas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) não fazem nem cócegas", brinca Evaniza Rodrigues, 45, militante da União dos Movimentos de Moradia. "Queremos moradia, mas não queremos guetos. A cidade é o espaço da mistura", diz.

Para muitos, nem sempre essa mistura é bem-vinda.

As ZEIS são áreas destinadas à habitação popular, divida em três faixas: habitação de interesse social (HIS) 1, para famílias com renda de até três salários mínimos (R$ 2.364), HIS 2 para renda de até seis salários mínimos (R$ 4.728) e habitação de moradia popular (HMP) para renda familiar de seis a dez salários mínimos (R$ 7.880).

Esta zona, dividida em cinco categorias representa boa parte das polêmicas e dos mal-entendidos que orbitam a proposta de revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, a lei de zoneamento.

A proposta consolidou um aumento de mais de 100% nesses territórios em relação à lei vigente. No total, as áreas demarcadas como ZEIS correspondem a mais de cinco vezes a área da subprefeitura de Pinheiros, que agrega os distritos Alto de Pinheiros, Itaim Bibi, Jardim Paulista e Pinheiros.

O plano é diminuir o déficit habitacional da cidade, que é mais concentrado nas faixas de renda de até três salários mínimos.

A controvérsia, no entanto, é menos sobre a área total do território de São Paulo destinada a ZEIS e mais sobre os locais onde essas zonas foram demarcadas.

Luta de classes

"Muita gente está se posicionando contra a gravação dessas zonas em seus bairros. É um conflito latente", diz o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco. "Há bairros que se incomodaram com a proposta de coexistência de várias camadas da população."

Para o advogado Fábio Araújo Pereira, 39, a questão nada tem a ver com luta de classes. "Construímos nossa casa em Itaquera a muito custo e, agora, a área foi marcada como ZEIS 1 [áreas de favelas e loteamentos irregulares]", reclama. "Estão descobrindo um santo para cobrir outro. Isso é justiça social? Cadê a ZEIS em Higienópolis e nos Jardins?", pergunta.

Pereira tem medo de ter sua casa desapropriada por uma "mixaria".

Segundo Daniel Montandon, diretor de uso e ocupação do solo da SMDU, quem mora em ZEIS e pretende seguir ali não tem o que temer. "Ele pode permanecer ali e reformar seu imóvel sem entrar na lei de destinação."

Apesar de dizer que não há desapropriação vinculada à demarcação de ZEIS e que as construtoras vão comprar ou não os terrenos "dentro da lógica de mercado", Montandon admite que desapropriações podem ocorrer com mais frequência em ZEIS do tipo 1.

Erros

Pedro Luis Soares, 37, presidente da Associação Amigos da Vila Aricanduva, também na zona leste, teve a área onde está sua casa demarcada como ZEIS 3 (destinada a imóveis ociosos, encortiçados ou deteriorados).

"Não entendemos nada. Esta área é totalmente habitada", questiona. "Pior: construtores estão assediando moradores oferecendo metade dos valores praticados antes da demarcação."

O secretário de Desenvolvimento Urbano admite que alguns "equívocos na demarcação desta ou daquela zona podem existir". "Alguns foram detectados. Isso é natural. Estamos no meio do processo, corrigindo essas falhas, que são raras."

Segundo o presidente do Secovi, Claudio Bernardes, "um terreno marcado como ZEIS é automaticamente desvalorizado". "Se é justo, eu não sei, mas é um fato", diz. Apesar disso, ele afirma que os empreendimentos nessas zonas são pouco viáveis economicamente, com exceção da ZEIS 5, em que o percentual de HMP (para faixa de renda maior) permitido é maior. "Sem subsídio do Estado, as obras nas demais ZEIS não se concretizarão."

Mananciais

O vereador Gilberto Natalini (PV), que presidiu três audiências públicas na Câmara Municipal sobre a revisão do zoneamento, avalia que a proposta atual é "ocupar territórios já ocupados". "É como um estupro", exagera.

"Sou a favor das ZEIS, mas não a qualquer custo e em qualquer canto", diz.

Para ele, o mais grave são as zonas de moradia popular previstas para áreas de mananciais, como o Parque dos Búfalos que, segundo ele, concentra 13 nascentes. "Estou chamando este prefeito de Exterminador Ambiental do Presente."

Montador, da SMDU, afirma que essas construções têm parâmetros que preservam esses locais. "Levam saneamento básico e formas sustentáveis de construção até essas áreas, sem ocupação extensiva e respeitando a lei de mananciais."

Na avaliação da professora da FAU-USP Paula Santoro, a cidade não precisa avançar sobre os mananciais.

"Essa é uma agenda antiga, quase antiquada. A luta por moradia tem que se dar na área central, onde há terreno e imóvel vazios. Essas áreas deveriam ser parques. Mas a prefeitura tem um problema: prometeu 55 mil moradias para esta gestão."

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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