Por Fernanda Mena
Apesar de ser muitas cidades em uma só, São Paulo recebeu tratamento homogêneo no projeto de revisão da chamada de lei de zoneamento, a ser submetida pela gestão Fernando Haddad (PT) à Câmara nos próximos dias.
A nova legislação é complementar ao Plano Diretor, aprovado no ano passado e que definiu as diretrizes urbanísticas da capital paulista para os próximos 16 anos.
Ela visa regular aquilo que pode ser construído e quais os usos permitidos (residencial, comercial, industrial) em cada território da cidade.
O resultado deve ser sentido em vários bairros e, por legislar sobre o quintal alheio, tem sido alvo de críticas de múltiplos setores –seja pelo processo de elaboração, apontado como pouco participativo, seja por ignorar as peculiaridades de cada região ou bairro, propondo zonas genéricas e abrangentes.
Genérico x específico
Com isso, o mesmo tipo de construção, pensada para adensar regiões ao longo das linhas de transporte público, poderá ocupar territórios tão diferentes como a Radial Leste, o miolo da Vila Clementino (zona sul) ou as ruas tortuosas de partes da Vila Madalena (zona oeste).
"Não foi feita a leitura das necessidades dos territórios", avalia o engenheiro Ivan Maglio, ex-diretor de Planos Urbanos da prefeitura. Ele diz que, na revisão da lei em 2004, na gestão Marta Suplicy (PT), uma série de encontros com moradores em cada uma das subprefeituras pautou o quadro geral do zoneamento.
"Estão fazendo tudo ao contrário", diz Cândido Malta, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
"É algo imposto de cima para baixo", critica o vereador Gilberto Natalini (PV).
"São Paulo é diversa em topografia e perfil de morador. Não levaram isso em conta. É preciso adequar a cidade ao uso, e não o contrário", completa o líder da oposição Andrea Matarazzo (PSDB).
Paula Santoro, também professora da FAU-USP, defende que o zoneamento seja algo simples. "E isso passa por imprecisões em relação às particularidades de cada região."
"Como a diversidade é ruim para a fiscalização, e corrupção é um dos nossos principais problemas, ter um zoneamento genérico ajuda. Assim, ninguém depende de especialistas ou de fiscais", diz ela.
O secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, avalia o projeto da prefeitura como "holístico, integrador e estruturante do território de São Paulo".
Ele admite, no entanto, que "o certo seria partir de uma diretriz geral ao mesmo tempo em que processos de âmbito local instruíssem o projeto de baixo para cima", como foi feito na lei hoje em vigor.
Para ele, é natural que a revisão da lei gere mobilização e críticas. "Todo mundo está interessado no que pode acontecer com seu endereço e seu bairro. A maior parte das polêmicas em torno do projeto é mais fruto de desinformação que de problemas."
Participação popular
Apresentada no final de 2014, a minuta da lei foi objeto de três audiências públicas e debates em cada macroregião. Muitos daqueles que participaram dos encontros se dizem decepcionados.
"Eu me dispus a usar meu sábado para discutir a cidade, mas fiquei com a impressão de que estava ali para ouvir, e não para falar", reclama a publicitária Jennifer Monteiro, 49, que vive na Pompeia.
Quando chegar na Câmara, a proposta voltará a ser debatida e deve sofrer alterações -a expectativa é que ela entre em vigor até 2016.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo