Em documento, empresa afirma que seria possível ter operado com prudência nos últimos 3 anos e evitado captação da reserva.
Por Fabio Leite
Documento assinado pelo presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Jerson Kelman, reconhece que era possível ter operado o Sistema Cantareira de forma mais segura nos últimos três anos e evitado a captação do volume morto do manancial e amenizado o atual racionamento de água na região metropolitana.
No ofício enviado na semana passada ao Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE) para a renovação da outorga do Cantareira, prevista para outubro, a Sabesp defende a manutenção do direito de captar até 31 mil litros por segundo do sistema pelos próximos dez anos, conforme definido no acordo de 2004. As regiões de Campinas e Piracicaba têm uma cota de até 5 mil l/s.
Para justificar a viabilidade da exploração de até 36 mil l/s do manancial mesmo após a pior seca em 84 anos, a Sabesp sugere alterar as regras de operação do Cantareira e apresenta um modelo que “antecipa reduções gradativas de retirada de água com base em um indicador do estado do sistema”. Ou seja, se a entrada de água nas represas cai, a captação para o abastecimento também cai.
Segundo a Sabesp, se a regra proposta agora tivesse sido aplicada a partir de 2012, quando as vazões afluentes ao Cantareira começaram a ficar abaixo da média histórica, não teria sido necessário retirar água do volume morto. A reserva profunda começou a ser captada em maio de 2014, e até hoje o sistema opera abaixo do nível mínimo de captação. Nesta quarta-feira, 6, o índice era de -9,6% da capacidade – ou 19,7%, incluindo a reserva.
Além disso, afirma Kelman, as vazões retiradas do Cantareira, de acordo com o modelo proposto, “seriam significativamente maiores do que as efetivamente praticadas e apresentam valores que, se sabe hoje, podem ser administrados até com certa facilidade”. Segundo o cálculo, a captação hoje poderia ser até 10 mil l/s maior, o suficiente para abastecer mais 3 milhões de pessoas.
Para isso, segundo o modelo, a retirada de água para atender até então 14 milhões de pessoas na Grande São Paulo e no interior deveria ter sido menor que a praticada durante 19 meses desde 2012. Em setembro daquele ano, por exemplo, quando a entrada de água foi de apenas 10,8 mil l/s, 52% abaixo da média, a retirada deveria ter sido reduzida para 32 mil l/s, em vez dos 37 mil l/s praticados, que resultaram em um déficit de 68,4 bilhões de litros, ou 7% da capacidade do sistema.
Forte redução
Na prática, porém, a redução mais expressiva só começou em março de 2014, por ordem do DAEE e da Agência Nacional de Águas (ANA), que cobraram diminuições durante a estiagem de 2014. A Sabesp, porém, só reduziu mais a partir de outubro, mês em que o racionamento ficou mais crítico.
Em nota, a Sabesp informou que a proposta “parte de uma premissa na qual o Sistema Cantareira não se esgotaria ao longo de toda esta crise hídrica” e que, “se tivesse a possibilidade de adivinhar o futuro e saber exatamente o que ocorreria” a partir de 2012, “teria tomado todas as medidas possíveis para preservar o sistema em níveis acima das reserva”.
“Na ocasião do início da crise, os sistemas possuíam níveis normais e não havia indícios de que a crise assumiria as proporções que assumiu. A Sabesp sempre zelou pela operação responsável do sistema e executou várias ações para continuar garantindo o abastecimento da população da região metropolitana, mesmo com a grande restrição de retirada imposta pela crise, que reduziu a produção do sistema em quase 18 mil l/s”, afirma a estatal. A empresa diz que, se a regra atual for mantida, perderá 18% da água do Cantareira.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo