Se durante décadas a classe média paulistana aproveitou o ar livre apenas nas áreas comuns de seus condomínios, a intimidade com os espaços públicos de sua metrópole (ou a falta dela) é hoje um processo em construção, cheio de mal-entendidos.
Na esteira da ampliação de ciclovias, baladas de rua, food trucks e parklets, todos a céu aberto, cada vez mais os parques, praças e demais áreas verdes de São Paulo têm sido usados como cenário de festas privadas, com direito a agendamento prévio, reserva de espaço e até contratação de bufês, que produzem arranjos singelos ou superproduções, ao gosto do freguês.
"Neste ano, a demanda por festas em parques e praças cresceu bastante e já representa 25% do nosso faturamento", explica Luana Nogueira, do bufê Hedas.
Para ela, a tendência se deve a vários fatores: "É por causa do ar livre e do conceito mais campestre, mais solto. Festa no parque não tem as amarras daquelas em ambiente fechado", diz.
Na zona oeste, a alta demanda fez com que o parque da Sabesp na região proibisse esse tipo de evento.
"Trata-se de área de prioridade operacional, e a empresa não permite a realização de eventos ou atividades que reúnam ou concentrem grande número de pessoas", declara a administração.
Mais espaço
"Não caberiam todos no meu apartamento, que fica aqui em Higienópolis, e os bufês infantis estão muito caros", justifica a empresária Lilian Mammana, que contratou serviço de bufê e três ajudantes para a festa que realizou no parque Buenos Aires, no final de semana passado.
Além das guloseimas, o evento teve show de mágica e distribuição de cata-ventos.
Toalhas xadrezes foram espalhadas pelo gramado para os convidados -mas Lilian não considera isso uma "demarcação de território".
"O parque diz tudo o que pode e o que não pode. É preciso ter limites e respeitar os outros. Compartilhar é o verbo que mais uso. É tudo para todos", diz, antes de chamar duas frequentadoras do parque para se sentarem na toalhinha. O convite foi gentilmente recusado.
Para os menos afeitos ao verbo, alguns bufês já desenvolveram uma estratégia: distribuem pulseirinhas aos convidados para identificá-los.
"É uma forma de saber quem é participante oficial da festa", explica Luana. E se alguém de fora da festa atacar um brigadeiro? "Não tem o que fazer. O bacana é a interação. É preciso bom senso."
Bandas e pônei
Em outros casos, porém, é a falta de bom senso que vem obrigando os parques a correr atrás da regulação desse tipo de encontro.
Administradores de parques paulistanos relatam que já tiveram de barrar quem tentou ocupar as áreas com mesas, chopeiras, bandas e até desfiles de pôneis
"É importante que se criem regras, porque estamos em plena mudança de cultura em relação à exploração das áreas públicas da cidade", afirma urbanista Gilda Collet Bruna, professora da universidade Mackenzie.
"Mas é um processo lento até que se consolide", diz.
As áreas abertas mais disputadas para as comemorações são as de melhor infraestrutura, com banheiros limpos e atrativos para crianças.
Procurada, a Secretaria municipal do Verde e do Meio Ambiente informou que "não é permitida a realização de festas particulares que delimitem o espaço público".
A pasta veta também o uso de serviços de bufê e decoração nos parques municipais.
Para Gilda, educar o paulistano é o melhor caminho. "As pessoas querem, cada vez mais, ocupar a cidade. É bom que se valorize essa nova forma de vida, mesmo que ainda haja uma mistura de valores privados dentro
de uma estrutura pública."
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo