Por Fabrício Lobel
Os proprietários de um pequeno hotel no bairro de Santo Amaro (zona sul de São Paulo) têm cuidado especial com tudo que entra no estabelecimento: dos vinhos importados às opções de pães no café da manhã.
O mesmo esmero não é visto quando o assunto é a destinação dos dejetos.
O hotel é uma das mais de 171 mil casas, comércios ou indústrias da Grande São Paulo que não estão ligadas à rede de esgoto da Sabesp (estatal de água e saneamento), mesmo que a rua tenha a estrutura -desse total, 80 mil estão na capital paulista.
Juntos, os imóveis equivalem a uma cidade de São Bernardo do Campo (no ABC) despejando seu esgoto irregularmente.
De acordo com técnicos da estatal, os donos dos imóveis não os conectam à rede para escapar da tarifa cobrada pelo serviço, que em São Paulo equivale à da água.
Para alguns especialistas, esses imóveis cometem crime ambiental, já que o esgoto na maioria das vezes é lançado em córregos ou nas tubulações de águas pluviais, que desaguam nos rios.
Segundo a gerente de relações com o cliente da Sabesp, Samanta Oliveira, há exemplos dessas irregularidades em áreas centrais de São Paulo, como nos Jardins, e não apenas na periferia, onde a infraestrutura é menor.
Teste
A Folha acompanhou uma inspeção de rotina da Sabesp em comércios de Santo Amaro. Entre os locais flagrados está o hotel Requinte, que não consta entre os imóveis ligados à rede de esgoto. A fiscalização constatou, porém, que o hotel ligava metade de seu esgoto às tubulações da Sabesp, sem pagar por isso.
Os técnicos identificaram ainda que a outra metade do esgoto do estabelecimento vai direto para galerias de águas pluviais, da Prefeitura de São Paulo.
Na vistoria, os técnicos despejam corante pela descarga de um dos banheiros. Dois deles ficam do lado de fora, um observando a rede de esgoto e o outro, a galeria de águas pluviais. Caso o corante seja notado na galeria, é constatado o problema.
O dono do hotel não foi encontrado para comentar.
Outro estabelecimento que não passou no teste foi o restaurante Feijão de Corda 2, na mesma esquina do hotel.
Ao ver o corante que denunciava seu esgoto sendo jogado na galeria da prefeitura, Ivanildo Oliveira, dono do restaurante, se defendeu dizendo que paga sua tarifa de esgoto regularmente. "Isso é erro da Sabesp", disse.
No entanto, ele não mostrou à reportagem sua conta de água, que comprovaria sua versão.
A Sabesp testou outro restaurante no mesmo quarteirão e não encontrou nenhuma infração.
A estatal notificou os donos dos imóveis. A empresa notifica também as prefeituras, que estabelecem prazos e multas para a adequação.
No caso da cidade de São Paulo, o dono do imóvel tem um ano para fazer a obra. Se não fizer, fica sujeito a uma multa de R$ 500.
Danos
O esgoto que é lançado nas galerias pluviais forma uma espessa camada de sujeira e gordura (em especial nos casos de restaurantes). Isso obstrui as galerias e pode causar alagamento em dia de chuva.
Nos dias sem chuva, esse esgoto não tem força para avançar pela tubulação. Assim, não é raro que fique parado sob a calçada, provocando mau cheiro.
A Prefeitura de São Paulo não soube informar quantas notificações recebeu da estatal paulista de saneamento. Também não informou quantas multas aplicou nos últimos anos.
A Grande São Paulo recolhe 87% do esgoto e trata 68%. A capital recolhe o mesmo percentual, 87%, e trata 75%. Já Franco da Rocha, na região metropolitana, é um exemplo de município que não trata seu esgoto.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo