Por Fernanda Mena
O zoneamento proposto é subserviente aos interesses imobiliários e do capital e deveria ter sido decidido pela população, em um processo de discussão mais longo que aquele conduzido pela Prefeitura de São Paulo antes da apresentação do projeto de revisão do uso e ocupação do solo entregue nesta terça-feira (2) na Câmara dos Vereadores por Fernando Haddad (PT).
Para o urbanista e ex-professor da Faculdade de Arquitetura de Urbanismo da USP Luiz Carlos Costa, 79, a proposta "não dá indícios de que vá neutralizar as tendências desastrosas da cidade", sintetizadas na crise nos setores de transporte e de habitação. "Se São Paulo se deixar guiar pela lógica do mercado imobiliário, vão se agravar todos os problemas que já tornaram os cidadãos vítimas da própria cidade."
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.
Folha – Como o Sr. avalia a proposta de revisão da lei de zoneamento?
Luiz Carlos Costa – A proposta dá concessão ao setor imobiliário de construir edifícios em áreas muito extensas, praticamente dobrando o adensamento anteriormente permitido. Isso é feito em um contexto de crise urbana, particularmente de transporte e de habitação. Ou seja, essa concessão vai implicar num agravamento dos problemas críticos da cidade. Ficarão comprometidas as questões de mobilidade, de habitabilidade e do meio ambiente. Seria necessário alterar o processo de produção da cidade, que é orientado para o interesse econômico, do capital imobiliário, que quer fazer o máximo possível de empreendimentos lucrativos, independente dos efeitos que eles causam para indivíduos e para a coletividade.
Quais são esses efeitos?
A grande necessidade da cidade é controlar o processo urbano em benefício dos interesses coletivos essenciais de qualidade de vida e eficiência técnica, algo que é condicionante do desenvolvimento econômico e social da cidade. Qualquer analista urbano sabe que São Paulo não está num processo tranquilo de crescimento e reorganização. A situação tende a piorar, e essa proposta de zoneamento não dá indícios de que vá neutralizar essas tendências desastrosas da cidade. Ao contrário, vai conceder novos benefícios para o setor imobiliário produzir em regiões já congestionadas e saturadas, sem enfrentar esses problemas e sem nenhuma defesa para o conjunto da população, que é consumidora da cidade. É a ditadura do processo produtivo imobiliário mais interessado em oportunidades de acumulação do capital.
O que precisaria ser considerado?
Sabe-se que esses empreendimentos que convêm ao setor imobiliário, que são os mais volumosos e verticais, vão produzir demanda por todos os serviços públicos, particularmente de transporte. Isso só é possível de ser acomodado numa perspectiva de transformação radical da estrutura urbana, o que não está posto. Portanto, os problemas serão agravados tanto para os que conseguem ficar nessas áreas adensadas como para as populações que são expulsas sistematicamente para as áreas periféricas, já que esses empreendimentos tem viés elitista, que é o perfil mais rentável.
A demarcação de Zonas de Interesse Social (Zeis) em áreas do centro expandido não contornam o problema da expulsão de populações mais vulneráveis?
As Zeis demarcadas não são desprezíveis, mas precisam ser aperfeiçoadas e ampliadas. Se está oferecendo habitação popular em áreas precárias e distantes, acelerando o processo de periferização, o que significa perpetuar a obrigação dos trabalhadores de menor renda de gastarem uma parcela enorme do seu tempo nas conduções e no deslocamento. A fatalidade é essa: nas áreas mais atraentes, vai haver um esforço de autodefesa dos condomínios em relação aos problemas ligados à segurança enquanto o grosso da população estará condenado a viver nesse espaço de exclusão.
Como o Sr. avalia a ampliação dos usos comerciais em corredores localizados nas zonas residenciais?
Esse projeto procura reduzir a extensão e a qualidade de vida interna desses bairros, permitindo a invasão do comércio e dos fluxos de transporte de passagem. Como são zonas importantes qualitativamente mas desimportantes quantitativamente, seria razoável deixar esses bairros como estão e cuidar da recuperação dos bairros de classe média, impedindo a invasão das frentes imobiliárias que criam problemas insolúveis na medida em que elas não são acopladas a uma ação pública capaz de multiplicar infraestrutura, serviços e equipamentos sociais.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo