Projeto de Alckmin amplia número de áreas protegidas que podem ser ‘privatizadas'.
Por Fabio Leite e Fábio Castro
Um antigo projeto de lei recém-modificado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) prevê a concessão total ou parcial de grandes áreas públicas protegidas, como parques, florestas e reservas extrativistas, à iniciativa privada. A proposta permite que uma empresa explore economicamente as unidades de conservação por até 30 anos, com atividades turísticas e de extração madeireira, por exemplo, sob a condição de respeitar as leis ambientais.
Levantamento feito pelo Estado com dados do Instituto Florestal e da Fundação Florestal, órgãos estaduais que são os atuais gestores das áreas, identificou 115 unidades que podem ser concedidas, segundo prevê o projeto. A relação inclui ainda monumentos naturais, áreas de proteção ambiental, hortos, viveiros e estações experimentais, que somam 23,5 mil quilômetros quadrados, quase 10% de todo o território paulista.
No projeto anterior, enviado por Alckmin à Assembleia Legislativa em maio de 2013, o plano estava restrito a cinco áreas específicas: os Parques da Cantareira, do Jaraguá e de Campos do Jordão, a Estação Experimental de Itirapina e a Floresta de Cajuru. A proposta aguardava votação desde outubro de 2014. Segundo o presidente da Assembleia, Fernando Capez (PSDB), a nova versão deve ser votada nesta semana.
A secretária estadual do Meio Ambiente, Patrícia Iglecias, disse que o governo preferiu estabelecer “regras gerais” para as concessões a elaborar projetos de lei específicos para cada área. “Não é privatização. É o Estado que diz o que deve ou não ser feito”, disse, durante audiência pública sobre o projeto na última terça-feira, na Assembleia, onde ouviu críticas ao texto feitas por ambientalistas e servidores do setor.
A proposta define que as concessões ficam condicionadas a algumas exigências ambientais, que variam de acordo com a área que será negociada, como a existência de plano de manejo e a compatibilidade da atividade praticada com a preservação da mata, sob pena de rescisão contratual. “Admite-se a exploração em estações experimentais, desde que as pesquisas científicas já tenham sido feitas, e a restauração florestal deve ser realizada com espécimes exclusivamente naturais e regionais”, exemplificou a secretária.
Críticas
O deputado de oposição Luiz Turco (PT), porém, criticou a ausência de uma relação das áreas que podem ser concedidas. “A secretária não considera que os deputados e a sociedade devam ser informados, com toda a clareza e transparência, quais são os próprios estaduais para os quais se pede autorização de concessão”, disse. Procurada durante três dias pela reportagem, a secretaria não informou quais áreas pretende passar à iniciativa privada.
Já o promotor Ivan Carneiro, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público em Piracicaba, disse que o texto “é genérico”. “É temerário deixar alguns detalhes do regramento das concessões para um decreto, edital ou para o próprio contrato, porque isso pode ser facilmente alterado no futuro por outro gestor.”
Carneiro sugere ainda que o dinheiro gerado pela concessão seja aplicado exclusivamente na mesma unidade concedida. Ele também alerta para a possibilidade de a exploração contaminar uma área vizinha protegida, como ocorre na Estação Ecológica de Itirapina. “As sementes de pínus da estação experimental voam para a estação ecológica, colocando em risco o bioma do Cerrado do Estado, que já caiu de 14% para 0,87% da cobertura original”, disse.
Proposta exige estrutura para fiscalizar contratos
A pesquisadora Silvia Futada, que atua no monitoramento de unidades de conservação pelo Instituto Socioambiental (ISA), afirma que o Estado fará concessões porque não tem estrutura própria para proteger as áreas verdes. No entanto, terá de investir mais para fiscalizar os futuros concessionários.
"O contrato pode ser quebrado caso a concessionária não desempenhe o papel de forma devida. No entanto, para fiscalizar isso em todas as etapas da concessão, é preciso ter um Estado forte e atuante. Hoje, os órgãos responsáveis pela conservação no Estado apresentam várias fragilidades."
Segundo a Fundação Florestal, que administra parte das áreas inseridas no projeto, o órgão tem cerca de 300 servidores de carreira, ou seja, um para cada 17 mil hectares de terra, e a fiscalização das áreas é feita por vigilantes terceirizados.
Teresa Magro, engenheira florestal e professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a concessão pode ser boa a longo prazo. "Não deveria ser obrigação de um gestor de parques estaduais fazer com que ele seja rentável. Isso pode ocorrer, mas o foco precisa ser a conservação."
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo