Plantio de verduras, frutas e legumes nos extremos de São Paulo, que reúne familiares e moradores, pode ser interrompido para dar lugar a mais concreto.
Por Felipe Souza e Zanone Fraissat
Aos 66 anos de idade, Severina Maria dos Santos não esboça indisposição às 7h. Na horta que cultiva em Itaquera (zona leste de São Paulo), ela corre pra lá e pra cá com uma enxada na mão, dispersando sementes pelo caminho e com regador a tiracolo.
A plantação é feita "sem agrotóxicos", diz ela, orgulhosa, em um terreno da prefeitura, e seus produtos, vendidos a moradores da região.
Ela explica que faz uso de um método especial para espantar as pragas que insistem em rondar o terreno: aplica borrifadas de fumo cozido.
A horta está localizada em uma área com dezenas de prédios de moradia popular. Esse plantio comercial é um dos 49 da zona leste e um dos 500 que ainda resistem em áreas urbanas da capital paulista, segundo balanço municipal.
"É um lazer para mim", diz a produtora. "Cuido com carinho porque o povo merece produtos de qualidade e a preços baixos", completa.
Andar pela horta da Severina, como é conhecida, revela uma experiência de cores e cheiros causada pelos 30 tipos de produto que ela cultiva. No terreno com cerca de 2.000 m², há limão, maracujá, jaca, coentro e alface – a campeã de vendas. Se depender da administração municipal e do mercado imobiliário, esse cenário verde não se manterá por muito tempo.
A Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) enviou neste mês cartas de despejo para associações e comerciantes da região da horta da Severina. O local será desocupado para a construção de moradias populares.
O terreno servia de horta comunitária até 2007, quando os moradores que cuidavam da plantação desistiram. "Então, eu e o Geraldo [vizinho] assumimos para não deixar abandonada", diz ela.
Na mesma região, Armando Higashi, 49, mantém ao lado do irmão e da mãe uma plantação de hortaliças iniciada há mais de 50 anos pelo pai e o tio dele no Itaim Paulista. A horta do Japonês tem o tamanho equivalente a dois campos e meio de futebol. Fica numa área densamente habitada, cercada de favelas, condomínios habitacionais e um córrego.
O botânico Ricardo Cardim afirma que esse plantio não é recomendado porque a terra e os alimentos podem ser contaminados por coliformes fecais e até metais pesados.
Pagando IPTU e sem incentivos fiscais para exercer a atividade na região, donos da grande horta já estudam sucumbir, como os vizinhos, ao mercado imobiliário. "Se aparecer uma boa proposta, faremos o mesmo", diz Higashi.
Se isso ocorrer, deixará dezenas de clientes órfãos, como a vendedora Tereza Conceição Cavalcante, 72. "Prefiro aqui porque colhem na hora e tudo é fresquinho." A venda é restrita a comerciantes das 7h às 9h. A dúzia de alface custa R$ 15, preço que, segundo quitandeiros, só é vantajoso pela proximidade.
Comunitária
Na contramão da maior parte dos produtores da cidade, um grupo de moradores da favela Vila Nova Esperança, na zona oeste da capital, criou em 2010 uma horta comunitária para suprir parte de seu consumo de verduras e legumes. A produção, que inclui alface, chuchu e cenoura, abastece hoje cem das 600 famílias da região. A distribuição ocorre entre moradores que ajudam no plantio. "Só come quem ajuda", avisa Maria de Lourdes Andrade Souza, 52. Ela afirma que crianças da favela recebem aulas de plantio e preservação ambiental na horta, ação esta que tem o apoio de universidades, como Mackenzie, USP, Anhembi Morumbi e FGV, além do grupo Teto.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo