Por André Monteiro e Artur Rodrigues
As contas da Prefeitura de São Paulo em 2014 fecharam no vermelho pelo segundo ano consecutivo, triplicando o deficit orçamentário da gestão Fernando Haddad (PT).
Auditoria feita pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) ressaltou que a diferença entre tudo o que entrou e tudo o que foi gasto ficou negativa em R$ 1,8 bilhão.
O tribunal, entretanto, não encontrou irregularidades e recomendou à Câmara a aprovação das contas, conforme publicação no "Diário Oficial" da semana passada.
A gestão Haddad afirma que, mesmo tendo gastado mais do que arrecadou em 2014, o saldo financeiro da prefeitura ficou positivo em R$ 1,6 bilhão, graças à reserva em caixa acumulada pelo município em anos anteriores.
Alerta
O aumento da diferença entre receita e despesa, para vereadores, acende um alerta, já que a administração municipal fica com menos gordura para queimar em um contexto de tendência de piora da economia.
"São Paulo sai de superávits consistentes da gestão [Gilberto] Kassab para déficits sistêmicos e crescentes com Haddad", afirma o vereador José Police Neto (PSD), presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara e aliado do então prefeito Kassab, também do PSD e hoje ministro das Cidades.
Desde 2010, quando houve superávit orçamentário de R$ 1,7 bilhão, o saldo anual vem diminuindo ano a ano.
O deficit no balanço começou em 2013, primeiro ano de Haddad, com saldo negativo de R$ 0,6 bilhão. O Orçamento daquele ano havia sido definido na gestão Kassab.
A auditoria do TCM aponta que o crescimento dos gastos foi maior do que o da arrecadação. Enquanto as receitas tiveram crescimento de 7,2% em relação a 2013, as despesas aumentaram 11,5%.
Receitas
A queda na arrecadação prevista também teve peso importante para a piora das contas. No ano passado, o município estimava arrecadar R$ 47,4 bilhões, mas conseguiu R$ 38,4 bilhões.
A diferença, de 19%, foi a maior em cinco anos e levou o tribunal a recomendar que o método de previsão de receitas seja aprimorado pela equipe econômica.
Fatores como o IPTU (imposto predial) influenciaram no resultado. O reajuste pretendido pelo prefeito em 2013 foi barrado na Justiça, o que resultou em arrecadação com o tributo 11% menor do que a prevista pelo município.
A decisão foi revertida, e a gestão reajustou a base de cálculo do tributo neste ano.
Também impactaram as contas a queda dos repasses do ICMS (imposto estadual) e a redução de 31% da receita com operações urbanas e outorga onerosa (valor cobrado para construções acima dos parâmetros regulares), por influência do mercado imobiliário desaquecido.
Despesas
Por outro lado, gastos como o subsídio ao transporte cresceram 41% e chegaram a R$ 1,8 bilhão no ano passado, depois de o prefeito voltar atrás no reajuste da tarifa por conta dos protestos de junho de 2013.
Depois de quatro anos congelada em R$ 3, a passagem de ônibus subiu para R$ 3,50 em janeiro deste ano.
Devido à crise, não há perspectiva de melhora em outras fontes de receita, como os repasses do governo federal.
Haddad obteve até agora da União apenas 2% da verba esperada para creches e corredores de ônibus, comprometendo o avanço de duas das principais promessas de sua campanha.
Outro lado
O secretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico de São Paulo, Rogério Ceron de Oliveira, afirma que o deficit nas contas em 2014 ocorreu devido ao aumento dos investimentos da prefeitura em ações previstas nas operações urbanas.
Essas operações são conjuntos de intervenções coordenadas pelo poder público, com a participação de investidores privados, para promover melhorias urbanísticas em uma determinada região.
Segundo o secretário, operações como Água Espraiada e Faria Lima, na zona sul, arrecadaram receita em anos anteriores, mas o gasto com obras e desapropriações só foi executado no ano passado. "Foram recursos arrecadados que estavam aguardando a conclusão das licitações das obras", afirma.
O secretário da gestão Haddad afirma ainda que a análise das contas públicas deve considerar, além de receitas e despesas de um ano, o dinheiro deixado em caixa no ano anterior e os restos a pagar (pagamentos deixados para o ano seguinte).
Desse modo, afirma, a prefeitura encerrou 2014 com R$ 4,9 bilhões em caixa. Descontando-se os restos a pagar, ainda houve saldo positivo de R$ 1,6 bilhão. O uso do dinheiro das operações urbanas permitiu que Haddad aumentasse o valor dos investimentos apesar da queda nas receitas.
Segundo a prefeitura, pela primeira vez em 15 anos os dois primeiros anos de uma gestão tiveram nível de investimento maior do que os anos finais da gestão anterior.
O TCM (Tribunal de Contas do Município), porém, avalia que foram incluídos indevidamente na rubrica de investimentos gastos com precatórios (pagamentos determinados por decisões judiciais).
Oliveira diz que a prática é adotada há anos pela prefeitura e que está em estudo uma forma de detalhar esses gastos nos balancetes. Ele afirma que os investimentos também foram possíveis pela economia de recursos –Haddad determinou corte em contratos e em gastos com custeio após assumir.
Ainda segundo a prefeitura, após a descoberta da máfia do ISS, em 2014, a arrecadação do tributo aumentou 9%.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo