Medida abre margem para a suspensão da captação de água por indústria e agricultura.
Por Fabio Leite
Mais de um ano e meio após o início da crise, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) publicou nesta terça-feira, 19, portaria na qual reconheceu oficialmente, pela primeira vez, que a situação hídrica na Grande São Paulo é crítica. A medida permite que o Estado suspenda as licenças de captação particulares de águas superficiais e subterrâneas para priorizar o abastecimento público na região onde moram mais de 20 milhões de pessoas.
O reconhecimento da gravidade da crise era cobrado por promotores e entidades civis desde 2014 quando começou a crise em razão da estiagem no Sistema Cantareira, um dos seis mananciais que abastecem a região. A portaria foi publicada no Diário Oficial pelo superintendente do Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE), Ricardo Borsari, responsável pela gestão dos recursos hídricos no Estado.
No documento, ele “declara em situação de criticidade hídrica a região da bacia hidrográfica do Alto Tietê”, onde ficam cinco dos seis sistemas que abastecem a Grande São Paulo. Ele afirma que o motivo é a “gravidade da situação de armazenamento” de um desses sistemas, o Alto Tietê. Ainda segundo a portaria, “ações de caráter especial deverão ser adotadas visando a assegurar a disponibilidade hídrica de modo seguro e eficiente”. Procurado ontem, o DAEE não comentou a medida.
Responsável por atender 4,5 milhões de pessoas, o Sistema Alto Tietê atravessa o mês mais seco da história e contabilizava ontem apenas 15,6% da capacidade. Em dezembro de 2014, início da temporada chuvosa, o nível do manancial chegou a 4%. Segundo o DAEE, a seca mais aguda em 2015, o baixo estoque dos reservatórios e o “potencial negativo dessa situação anômala sobre as populações servidas pelo Sistema Alto Tietê” levaram à declaração de criticidade.
Na portaria, o DAEE afirma que é “obrigação permanente do Estado minorar riscos ao abastecimento público de água” e cita leis e decretos que autorizam o governo a suspender parcial ou totalmente as outorgas que liberam a captação de água em rios, represas e poços artesianos para “atender a usos prioritários de interesse coletivo”. O texto diz que a captação sem outorga do órgão é infração passível de multa.
Para a promotora Alexandra Facciolli, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) de Piracicaba, a declaração de criticidade hídrica “constitui formalidade imprescindível pela Lei de Política Nacional de Saneamento para a aplicação das medidas restritivas, como multa e racionamento. Ambas já foram adotadas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com aval do governo.
“Essa medida vai deflagrar uma fiscalização mais rigorosa sobre as captações não autorizadas e definir quais medidas restritivas poderão ser adotadas para garantir o abastecimento público”, disse Alexandra. Ela lembra que desde março uma resolução do DAEE e da Agência Nacional de Águas (ANA) para a Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari, e Jundiaí (PCJ), definiu critérios de restrição de uso da água conforme a situação dos rios. Ontem, pela primeira vez, cidades da região tiveram de reduzir a captação em até 30%.
Ações movidas na Justiça por promotores e entidades civis já cobravam a declaração oficial da crise antes da liberação de obras emergenciais e da cobrança de sobretaxa. Todas foram julgadas improcedentes ou derrubadas por recurso do governo. “Inverteram a ordem do processo. Primeiro aplica a multa, depois reconhece a situação, e o plano de contingência não foi apresentado até hoje”, critica Marco Antonio Araújo, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo