Medida integra plano de contingência da companhia para socorrer rede pública, caso a crise hídrica se agrave no próximo ano.
Por Fabio Leite
Além de identificar áreas promissoras para fazer 200 perfurações para captar água subterrânea na Grande São Paulo, o plano de contingência da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) prevê o mapeamento de mais 200 poços particulares que poderão ser requisitados pela empresa para socorrer a rede pública de abastecimento se a crise hídrica se agravar em 2016.
Estão na mira da estatal captações feitas por indústrias, clubes e até condomínios cadastradas no Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE). O potencial de produção, a localização e a qualidade da água de cada poço são pré-requisitos essenciais para a escolha. Calcula-se que os 400 poços consigam produzir 2 mil litros por segundo, o suficiente para atender 600 mil pessoas.
O estudo está sendo feito desde março deste ano pelo Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas (Cepas), do Instituto de Geociências da USP. O grupo de pesquisadores foi contratado pela Sabesp por R$ 2,9 milhões e tem até abril de 2016 para apresentar os resultados do levantamento – ou seja, até o início da próxima estiagem.
À época da contratação, a empresa havia anunciado apenas um estudo para “mapear a perfuração de 200 poços” na Grande São Paulo. Há duas semanas, porém, o superintendente de produção de água da companhia, Marco Antonio Lopez Barros, divulgou ao Comitê da Bacia do Alto Tietê a possibilidade de pegar água em poços particulares para jogá-la diretamente na rede de abastecimento.
“A Sabesp poderá usar ou não, dependendo da condição hidrológica ou climática, recursos para investir na construção desses 200 poços e em ações para que a gente possa usar esses 200 poços particulares no abastecimento público”, explicou Barros. Segundo ele, o uso dos poços “está sendo considerado para uso emergencial para abastecimento público, em situação extrema e caso necessário”.
Quando a Sabesp anunciou o plano, os dois maiores mananciais que abastecem a região (Cantareira e Alto Tietê) estavam em recuperação com as chuvas de fevereiro e março. Neste mês, contudo, ambos sofrem novamente com as piores secas da histórica, quando se considera apenas a água que entra nos reservatórios. Diante deste cenário, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) publicou portaria declarando “situação de criticidade hídrica” na Bacia do Alto Tietê, o que dá margem para suspensões de captações particulares de águas superficiais e subterrâneas.
Atualmente, segundo dados da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS), a Sabesp tem 164 poços em operação na Grande São Paulo, que produzem apenas 2% da água consumida na região. Um estudo feito pelo Cepas/USP e revelado pelo Estado em outubro de 2014 aponta que o subsolo tem 6 mil litros por segundo de água “ociosa”, o suficiente para 1,8 milhão de pessoas.
Para o hidrogeólogo João Carlos Simanke, consultor em captações subterrâneas, o uso de poços particulares para socorrer a rede pública é uma “medida inteligente em momentos de crise” e “prevista em vários países desenvolvidos que passaram por guerra”, como Alemanha e França, mas de difícil aplicação. “Confiscar 200 poços particulares, de quem investiu dinheiro e depende dele, vai exigir uma negociação para que não haja uma briga judicial.”
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo