Por Giovana Girardi, Altamiro Silva e Tânia Monteiro
Com uma meta considerada ambiciosa, na comparação com a lançada por outros países, a presidente Dilma Rousseff apresentou no domingo, 27, o plano do País para combater as mudanças climáticas. Até 2025, as emissões de gases de efeito estufa devem cair 37% e, até 2030, 43% – ambos os valores são relativos aos níveis registrados em 2005.
Este é o principal item da aguardada INDC brasileira – sigla em inglês no jargão climático para o conjunto de compromissos que todos os países do mundo têm de propor para o combate às mudanças climáticas. É a contribuição para a Conferência do Clima em Paris, que será realizada em dezembro e tem o objetivo de entregar um acordo global para que o mundo consiga reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Em discurso na Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, em Nova York, Dilma afirmou que "a ambição continuará a pautar nossas ações", depois de lembrar que em 10 anos o desmatamento da Amazônia caiu 82%.
Esse é o principal fator que contribuiu, segundo projeção do Ministério da Ciência e Tecnologia, para que as emissões brasileiras já tivessem diminuído mais de 41% de 2005 a 2012.
Se a meta for cumprida, as emissões brasileiras devem passar de 2,04 gigatoneladas de CO2-equivalente, registradas em 2005, para 1,30 Gt em 2025 e 1,16 Gt em 2030. Isso leva em conta a chamada emissão líquida, que desconta o que é absorvido por unidades de conservação e terras indígenas. A emissão bruta seria em torno de 1,47 Gt e 1,3 Gt, respectivamente.
O valor de agora, portanto, avança pouco em relação ao que já se conquistou até 2012, mas como país em desenvolvimento, considera-se que a emissão suba um pouco em um cenário de crescimento a longo prazo do País e o consequente aumento por demanda de energia.
"O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento a assumir uma meta absoluta de redução de emissões. Temos uma das maiores populações e PIB do mundo e nossas metas são tão ou mais ambiciosas que aquelas dos países desenvolvidos", afirmou Dilma.
De fato, o Brasil é o único, entre os países em desenvolvimento, até o momento (o prazo para a entrega das INDCs é até quinta-feira), a apresentar uma redução absoluta de emissões com base em valores atuais.
Os demais estão propondo reduções com base em uma trajetória imaginária de quanto as emissões poderiam subir se nada fosse feito – o chamado business as usual. E mesmo em relação às nações ricas, a proposta também se destaca. Os Estados Unidos, por exemplo, propõem um corte de 26% a 28%.
Em coletiva de imprensa depois do anúncio, Dilma disse que a meta é a possível de ser alcançada dentro dos recursos que o País tem, sinalizando que financiamento externo seria bem-vindo. "Se tivermos mais recursos, ou faremos as metas mais rápido ou podemos aumentá-las", disse.
Florestas e energia. Entre os compromissos propostos para chegar à meta estão: alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia e compensar as emissões da supressão legal de vegetação; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares; restaurar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e alcançar 5 milhões de hectares de integração lavoura-pecuária-floresta.
Em energia, Dilma ofereceu a presença de 45% de fontes renováveis, incluindo hidráulica, na matriz energética total. Considerando apenas a geração elétrica, o plano é ter uma participação de fontes solar, eólica e de biomassa de pelo menos 23%.
Rumo a Paris
Ambientalistas e pesquisadores da área elogiaram a proposta por conta de seu potencial de influenciar os debates na Conferência de Paris, mas ponderaram que o País teria condições de ir além.
"Entre os grandes emissores de gases de efeito estufa do mundo, a meta brasileira é uma das maiores. O Brasil se posiciona bem na mesa de negociação", afirma Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. "Mas, somando as metas que todos os países estão apresentando, ainda estamos numa trajetória de chegar a mais 3°C ou 4°C ao final do século, em vez dos 2°C esperados."
Ambientalistas elogiam com ressalvas metas brasileiras de cortes – Proposta apresentada por Dilma Rousseff é vista como ambiciosa, mas avança pouco em relação ao que já vem sendo feito no País.
As metas de redução das emissões de gases de efeito apresentadas ontem pela presidente Dilma Rousseff foram em geral elogiadas por ambientalistas e cientistas que trabalham com clima por terem o potencial de influenciar o debate na Conferência de Paris, mas a maioria considera que o País poderia ter sido ainda mais ambicioso.
“O Brasil desempenha um papel produtivo no esforço global de combate às mudanças climáticas. E está contribuindo para dar ímpeto às negociações quando o alto escalão do governo apela para metas globais que acabem com as emissões em todo o mundo neste século. Esta visão comum para um mundo de carbono zero é um dos sinais mais poderosos que a Conferência do Clima de Paris pode enviar para investidores, cidadãos e para o meio empresarial”, afirma Rachel Biderman, diretora do World Resources Institute (WRI) no Brasil.
“Entre os grandes emissores de gases de efeito estufa do mundo, a meta brasileira é uma das maiores. O Brasil se posiciona bem na mesa de negociação”, afirma Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. “Mas, somando as metas que todos os países estão apresentando, ainda estamos numa trajetória de chegar a mais 3°C ou 4°C ao final do século, em vez dos 2°C esperados.”
Para ele, “o mais significativo do anúncio é que Dilma diz que o Brasil já fez bastante para cortar as emissões, mas ao apresentar o novo compromisso indica que pode continuar fazendo mais. A direção está correta, mas a velocidade ainda é insuficiente”.
“Recebemos como surpresa. Os números são ok, dão uma direção de para onde o País vai e trazem a possibilidade de uma avaliação de cinco em cinco anos da meta, o que é interessante para permitir que aumente a ambição com o passar do tempo. Mas ainda precisamos ver quanto isso vai ajudar com o objetivo de manter o aquecimento a 2°C até o final do século”, afirma Carlos Nomoto, secretário-geral do WWF-Brasil.
Uma das dúvidas é como vai se dar a meta de restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares. Se for feita com eucalipto em vez de árvores nativas, por exemplo, o potencial de captura de gás carbônico da atmosfera fica bem menor.
O engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa, afirmou que viu com bons olhos o fato de Dilma ter incluído na meta a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e o alcance de 5 milhões de hectares para integração lavoura-pecuária-floresta.
Meta anterior
Mas ele lembra que na Conferência do Clima de Copenhague, em 2009, o Brasil já tinha se comprometido, de modo voluntário, com uma meta semelhante. Citando dados oficiais do Banco do Brasil e do Ministério da Agricultura, ele afirma que nos últimos 4 anos recuperou-se pastagens e foi feita a integração em somente 3 milhões de hectares. “Acho ótimo que tenham colocado na meta. Pode enfim dar um impulso para um programa de mitigação das emissões da agropecuária que é o melhor do mundo”, diz.
Gustavo Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira, afirma que esse processo é um desafio grande tanto de logística quanto financeiro. “Temos de ver como vai virar realidade, mas o anúncio traz uma mensagem de que o agronegócio pode não ser apenas um ponto de conflito, mas uma solução para o problema”, diz.
As metas para energia também foram elogiadas com ressalvas. “A parte de eletricidade é razoável, mas não tem muita ambição além do que já vem sendo feito. Além disso, é preciso transferir essa ambição para a realidade. O Plano Decenal de Energia ainda prevê 71% dos investimentos em combustíveis fósseis e apenas 14% para novas fontes renováveis e biocombustíveis”, afirma Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace.
Para Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e autor de um dos estudos entregues pela comunidade científica para balizar a decisão do governo, a meta é ambiciosa, porém factível. “Isso significa um pequeno custo para a economia, mas mais do que compensado, se todos os outros países também fizerem sua parte, do impacto ambiental evitado pelas mudanças climáticas. O Brasil poderia ser mais ambicioso? Poderia. Poderia ser menos? Também poderia. O importante, de agora até Paris, seria melhor detalhar a meta brasileira, e as implicações para a economia desta meta", diz.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo