Por Luciana Burlamaqui, de Nova Iorque
A Rede Nossa São Paulo participou na última sexta-feira, 25 de setembro, em Nova Iorque, do evento paralelo à Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável: "Dos ODM aos ODS: Experiências e Desafios para o Brasil". Governo, sociedade civil e setor privado sentaram juntos para debater a transição dos Objetivos do Milênio (ODM) que se encerrou este ano, após 15 anos de seu lançamento, para a chegada de um novo desafio mundial apresentado na sexta-feira pela manhã, na Abertura da Assembleia Geral da ONU: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). São 17 objetivos e 169 metas que pretendem erradicar a pobreza e promover universalmente a prosperidade econômica, o desenvolvimento social e a proteção ambiental. A Organização das Nações Unidas estima que em 2030, a população global vai atingir 8,5 bilhões de pessoas. Para que este futuro seja mais sustentável e inclusivo foram criados os ODS. A nova agenda de desenvolvimento sustentável procura ampliar os alcances dos ODM que ajudou mais de 700 milhões de pessoas a sair da pobreza.
O Papa Francisco abriu a Assembleia Geral ressaltando, entre outros temas, que: "qualquer dano ao meio ambiente é um dano à humanidade; a exclusão econômica é um atentado aos direitos humanos e são os mais pobres os que mais sofrem – são eles os descartados pela sociedade." Para o Papa, dentro deste cenário: "a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável é uma sinal importante de esperança."
No debate promovido pelo governo brasileiro, o tom de esperança também estava presente, mas ele veio com uma reflexão profunda por todos os debatedores, diante dos desafios já vividos na proposta de implementação dos Objetivos do Milênio. Foi unânime o reconhecimento da importância da participação da sociedade civil neste processo de implantação dos ODM para o cumprimento das metas.
Na primeira mesa do evento, cujo tema foi: "A experiência e os resultados do Brasil nos ODM", participaram: as Ministras do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, Teresa Campello; da Secretaria dos Direitos da Mulher, Eleonora Menicucci; o Secretário Nacional de Relações Político-Sociais, Wagner Caetano e a Prefeita do município de Pombal na Paraíba, Yasnaia Pollyanna Werton Dutra. A moderação do debate foi feita por Jeferson Miola, da Secretaria-Geral da Presidênia da República.
"Nós conseguimos cumprir todos os ODM, com exceção do referente à redução da mortalidade materna", foi o início da fala da Ministra do Desenvolvimento Social e do Combate a Fome, Teresa Campello. O objetivo número 5, o qual a ministra se refere, tinha a meta de reduzir em 3/4, a mortalidade materna. Em 1990 o índice de mortalidade materna no país era de 141 por 100 mil nascidos vivos e, em 2013, caiu para um pouco menos da metade: 60,9%. Em contrapartida a esta meta não cumprida, a ministra ressaltou avanços que chamaram a atenção de toda a comunidade internacional, como os programas de redução da fome e da miséria. "Saímos de 10% de insegurança alimentar para hoje termos 1,7% da população em situação de fome. E estes resultados foram alcançados num curto espaço de tempo." A ministra chamou a atenção para a ampliação do conceito de pobreza já discutido na Rio+20, onde os ODS começaram a ser construídos. "Batalhamos muito na RIO+20 para defender que a pobreza não é só de renda, ela tem várias faces: saúde, educação, cultura, direitos etc. Queremos superar a pobreza em todas essas áreas. O que precisamos em 2030, para comemorar como estamos comemorando agora em 2015 o que foi alcançado, é ter em mente a questão da urgência. Além disso, precisamos pensar em escala. Para que políticas públicas possam ser replicadas, temos que ter soluções simples."
A Ministra-Chefe da Secretaria dos Direitos da Mulher, Eleonora Menicucci, focou sua fala na questão do gênero. Para ela, não existe sustentabilidade no mundo, no planeta; nem ambiental, econômica e social se o foco não for a equidade de acessos entre homens e mulheres. "Isto já está posto desde os ODM e agora também está presente na transição para os ODS. Por que no Brasil e no mundo não atingimos a meta da mortalidade materna? Porque existe uma cultura de valores patriarcais. Precisamos tocar na questão da morte materna por abortos. Isto é uma questão de saúde pública. É uma questão de sustentabilidade." A ministra ressaltou a importância de garantir os direitos sexuais e reprodutivos e considerou inaceitável que pessoas morram por crime de ódio sexual. Para ela, o foco na mulher nos ODS passa também pela garantia de sua autonomia e citou como exemplo de um avanço nesta área, a PEC das trabalhadoras domésticas. Para Menicucci, a nova lei acaba com o trabalho escravo nas casas brasileiras. A ministra disse ainda que as mulheres não podem continuar recebendo 30% a menos do que os homem ganham e terminou sua fala relembrando o caráter de urgência levantado por Teresa Campelo. "Só existem desafios para aqueles que fizeram alguma coisa. Convoco de forma enfática a sociedade civil, os movimentos de mulheres para seu papel no controle social, no monitoramento, para que possamos avançar nas metas postas nos ODS até 2030," finalizou Menicucci.
O secretário Nacional de Relações Político-Sociais, Wagner Caetano, foi um dos debatedores que enfatizou a importância da presença da sociedade civil no monitoramente das metas. "A participação social, a partir de 2003, foi um método de governo não só nos ODM, mas em todas as políticas públicas." Caetano também defendeu que o desenvolvimento sustentável depende da superação da extrema pobreza e que para alcançar isto é fundamental levar os ODS para os governos municipais.
Pombal, localizada no semiárido da Paraíba, a 400 km de João Pessoa, foi um dos municípios que mais se destacou no cumprimento dos Objetivos do Milênio. A prefeita da cidade, Pollyanna Werton Dutra, presente no debate, reafirmou a fala do secretário Wagner Caetano sobre a importância da participação da sociedade civil na criação e monitoramente das políticas públicas. Segundo ela, só foi possível mobilizar os ODM em Pombal quando a prefeitura decidiu discutir o programa com a população. "O que foi diagnosticado a partir desses encontros casava com os ODM. Meu compromisso foi então alinhar o que a população falava com os Objetivos do Milênio. Nosso carro-chefe foi o Bolsa-Família." Mas, segundo a prefeita, a transferência de renda não foi suficiente. Havia baixa qualificação profissional, deficiência na área educacional, de saúde, moradia, água tratada, esgoto etc. "Nosso próximo passo então foi colocar as famílias dentro do programa de Proteção Social Brasileiro, e em seguida focamos na emancipação dessas famílias. Criamos arranjos produtivos que dialogavam com as habilidades das comunidades como várias cooperativas, por exemplo. Também formalizamos as pessoas através do MEI (microempreendor empresarial),"ressaltou Pollyanna. Com este trabalho, mais de 300 famílias já devolveram o cartão do Bolsa-Família na cidade.
Para a prefeita não existe economia baseada somente no PIB. Ela afirma que o principal compromisso de sua gestão é com o ser humano. Finalizou sua fala com entusiasmo e esperança em relação aos próximos desafios lançados pelos ODS, citando uma frase de Dom Quixote – o clássico de Miguel de Cervantes: "Mudar o mundo não é loucura, nem utopia, é justiça. E lá em Pombal, nós estamos conseguindo!"
Parceria entre governo, setor privado e sociedade civil marca o lançamento dos ODS
Na segunda mesa do evento nas Nações Unidas foi debatido o tema: "Os desafios da implementação dos ODS: as dimensões participativa e federativa." Participaram do debate: a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; o prefeito da Frente Nacional de Prefeitos e também prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda; a vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmen Helena Ferreira Foro; Maurício Broinizi, Coordenador Executivo da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis; Alessandra Nilo, integrante da sociedade civil do Grupo de Trabalho sobre os ODS; Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos; Gabriela Vallim, do Movimento #15CONTRA16 – Contra a Redução da Maioridade Penal; a professora da Universidade Federal de Pernambuco e do Movimento Ocupe Estelita, Liana Cirne Lins e Laura Sobral do Instituto "A Cidade Precisa de Você". A moderação foi conduzida pelo embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, do Ministério das Relações Exteriores.
Para a ministra Izabela Teixeira, dos "5 Ps" que pretendem ser alcançados pelos ODS: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parceria, o último deles é o elemento catalizador que juntou todos os 193 estados-membros das Nações Unidas que criaram a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. " Como todo mundo tem que se olhar e se correlacionar na sociedade é necessário trabalhar mais por convergências, do que por divergências. A mobilização será por resultados e não por problemas. É uma agenda para um novo mundo, a partir da sociedade civil. " A ministra quer trabalhar também para reduzir a distância que existe entre as políticas ambientais e a qualidade de vida da população e já adiantou que a próxima Conferência Nacional do Meio Ambiente será baseada nos ODS.
Para o presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Márcio Lacerda, as palavras da Ministra Isabela Teixeira mostraram uma quebra de paradigma. "Sustentabilidade não vem só do ambiental, social e econômico, há o componente político. E esse componente político vem da radicalização da democracia," afirmou Lacerda. O prefeito de Belo Horizonte lembrou também da importância da cultura dentro da sustentabilidade. "Devemos usar o simbólico, os valores de cada território, a cultura local como instrumento para mobilização das mudanças necessárias."
A vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmen Helena Ferreira Foro, acredita ser necessário um novo modelo de desenvolvimento para o mundo, com uma transição justa para os trabalhadores. Ela vê com bastante preocupação disputas lançadas por setores conservadores da sociedade que querem reduzir o papel do Estado na garantia da cidadania à população. " A democracia está sendo ameaçada. Sem democracia não há direitos. Espero que meu país não retroceda em nenhum momento do que conseguimos conquistar. Haverá uma disputa para que rumo irá o planeta. Vamos estar ao lado daqueles que estiverem dispostos a lutar por todos os P(s), conforme foi dito pela nossa Ministra Isabela. A participação da sociedade civil é fundamental".
Programa Cidades Sustentáveis vai incorporar os ODS
Para o coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis (PCS), Maurício Broinizi, é importante encarar a agenda 2030 como um desafio factível que não fique no campo da utopia. Ele ressaltou que nas eleições de 2012, o PCS conseguiu a adesão de 283 prefeitos com o compromisso de elaborar diagnóstico do município, a partir dos indicadores do programa e a criar metas para melhorar esses indicadores, a partir das prioridades das cidades. "Muitas destas prefeituras conseguiram realizar um feito importante que até dois anos não tínhamos no Brasil: foram criados 105 observatórios para que a sociedade possa monitorar os compromissos assumidos pelas prefeituras e para que os governos consigam dar continuidade ao trabalho no curto, médio e longo prazo."
Broinizi relatou no evento que o próximo passo é a integração dos ODS ao Programa Cidades Sustentáveis. Para isso, será lançada no ano que vem uma nova carta compromisso para que os candidatos a prefeitos participem deste segundo momento do programa. Ele lembrou que se isso não ocorrer em 2016, mas só na próxima eleição em 2020, já terá passado um terço do tempo para implementação dos ODS."Por mais que o Brasil tenha superado quase a totalidade dos ODM, não podemos perder muito tempo. Vamos incrementar as eleições de 2016 com objetivos e indicadores para que os prefeitos transformem ideias de futuro em políticas públicas. Muitos partidos concorrem sem base programática. 2030 está logo aí."
Broinizi lembrou ainda da importância de incluir nesta mobilização civil e política, o setor privado e finalizou: "a ONU está oferecendo um presente para o mundo. Cabe a nós fazer com que essas metas se tornem realidade em cada canto do país."
Alessandra Nilo, uma das lideranças do Grupo de Trabalho (GT) sobre os ODS, que reúne 60 organizações da sociedade civil, demonstrou preocupação sobre o futuro da Agenda Pós-2015. " Estamos aqui para refletir sobre os desafios e não apenas para celebrar. Precisamos avançar nos indicadores que já existem. A sociedade civil necessita construir novos indicadores nacionais. O Estado deve garantir direitos para a população e erradicar todo tipo de violência contra: crianças, índios, juventude negra etc. Hoje ainda somos uma minoria e por isso vamos precisar de mais engajamento da sociedade civil para conseguirmos sair do mundo que temos para o mundo que queremos ter."
Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, enfatizou que a organização não representa as empresas e sim as provoca. " Se não houver uma preocupação com o impacto ético, sustentável que as empresas causam, elas não terão futuro." O instituto está criando documentos dos ODS para inspirar o setor privado. Dentro do contexto dos ODS, ele acredita que é fundamental a participação deste setor em parceria com a sociedade civil. Abrahão acha essencial que haja uma agenda comum em que todos possam dialogar e estabelecer estratégias ligada à agenda 2030. "O Ethos não vai fazer mais nada sozinho como aconteceu nos ODM. Faremos tudo com a sociedade." Além de destacar temas como a garantia dos direitos da população LGBT e o combate à corrupção, Jorge ressaltou a existência de um número alarmante: apenas 5% dos negros estão em cargos executivos. "Se continuarmos assim, só em 150 anos teremos nas empresas a representatividade proporcional à presença da população negra na sociedade."
O evento contou também com representantes da juventude. Gabriela Vallim, do movimento #15CONTRA16 – Contra a Reducao da Maioridade Penal, enfatizou sua satisfação em estar no evento das Nações Unidas para discutir os ODS, representando 56% da população brasileira – que é a parcela negra e jovem. "Quase não há negros em espaços como estes. Graças a políticas afirmativas, ampliou-se a nossa participação." Gabriela contou que o movimento está criando uma cartilha que dialoga com os ODS, feita por jovens e dirigida a eles. Ela lembrou que 23 mil jovens negros são assassinados por ano no Brasil e que apenas 0,9% dos crimes são cometidos por menores de 18 anos. "Precisamos de um governo ainda mais democrático e participativo e queremos estar presentes para pautar."
Ao longo de todo o debate foi ressaltada a importância da criação de uma Comissão Nacional dos ODS, que garanta a participação da sociedade civil. Este foi um dos pontos reivindicados pela professora da Universidade Federal de Pernambuco, também representante do Movimento Ocupe Estelita, Liana Cirne Lins, e pela representante do Instituto "A Cidade Precisa de Você", Laura Sobral. Além dessa preocupação, Liane destacou que "a lógica comercial empurra os recursos do meio-ambiente para sua extinção." Já Sobral reforçou que "depois de tantos anos de ditadura há uma movimentação de grupos sociais na luta pelo direito à cidade e estas pessoas precisam acompanhar e participar da implementação dos ODS no país."
Após o evento, a delegação brasileira da sociedade civil continuou se reunindo nas Nações Unidas para traçar estratégias que garantam a criação da Comissão Nacional dos ODS no Brasil que reúna: município, estado, governo federal, empresários, organizações da sociedade civil, trabalhadores e movimentos sociais. A angústia do grupo é que o governo federal garanta, o quanto antes, a criação desta comissão e que ela seja deliberativa.
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