Dados apontam que, com ciclovias e ampliação de corredores de ônibus, paulistanos, aos poucos, começam a deixar o carro em casa.
Por Gisele Brito
Para Thiago Moreira, andar de carro em São Paulo é “inviável”. Aos 30 anos, o estudante de pedagogia se desiludiu com as facilidades do automóvel que tinha há alguns anos atrás e, agora, tenta se desfazer de uma Kombi. “É meio impossível sair de carro em São Paulo. O trânsito é muito ruim. Estacionar é caro. É muito caro manter um carro. E ter só para usar nos fins de semana, quando o trânsito é melhor, eu acho que não vale a pena”, explica.
Thiago morava na região de Parelheiros, extremo sul da capital até três anos atrás, quando se mudou para a zona oeste, perto da Cidade Universitária, onde conseguiu uma vaga no alojamento de estudantes da USP. Quando vivia na periferia, usava principalmente transporte público e, eventualmente, tentava combiná-lo com bicicleta, modal que não era ideal para o tipo de terreno e distâncias que tinha de enfrentar no dia a dia. Mas agora, vivendo mais próximo do centro, usa a bicicleta para fazer boa parte de suas atividades cotidianas. “Ainda não dou conta de grandes distâncias, mas devo usar a bicicleta em 40% dos meus deslocamentos”, comenta o estudante.
Desde o início da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), em 2013, 238,3 km de vias cicláveis foram implantados na cidade, além de 386 km de faixas exclusivas de ônibus, o que aumentou 67,5% a velocidade média dos coletivos.
A prefeitura também diminuiu a velocidade máxima permitida em avenidas importantes para evitar acidentes graves e, consequentemente, reduzir interdições que atrapalham a fluidez das vias. Desde então, a lentidão nos horários de pico na cidade diminuiu, segundo a prefeitura, o motivo é justamente estas medidas.
Entre as 17h e às 20h, os congestionamentos passaram de 137 km, na média do primeiro semestre de 2014, para 113 km no mesmo período de 2015, e a velocidade média desenvolvida pelos carros subiu de 14 km/h para 18 km/h.
Há especialistas, no entanto, que relacionam a melhora desses índices com a piora da economia, que estaria diminuindo os deslocamentos na cidade. Mesmo com a controvérsia, já há levantamentos que apontam uma inegável mudança de mentalidade em curso na capital paulista.
Uma pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo/ Fecomercio/Ibope aponta que o número de paulistanos que usam carro diariamente na cidade caiu de 56% em 2014 para 45% este ano. No mesmo período, o número de pessoas que diziam que não usariam bicicleta de jeito nenhum passou de 24% para 13%.
De fato, para Thiago, desapegar do automóvel particular é uma questão, na essência, econômica. Mas sua opção pela bicicleta está intimamente ligada à infraestrutura urbana. “Já pedalei pela [Avenida Engenheiro Luís Carlos] Berrini, [Avenida Senador] Teotônio Vilela e outras avenidas antes da ciclofaixa, e era terrível. Ainda que a estrutura não seja das melhores, é bem mais tranquilo com as ciclofaixas. Num momento em que manter um carro é caro e a cidade é o caos, a bike surge como uma alternativa interessante. Com as ciclovias e ciclofaixas, fica ainda melhor, por conta da segurança.”
Perfil do Ciclista
Ana Carolina Nunes é Coordenadora Executiva da pesquisa realizada pela Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo, a Ciclocidade, que traçou o perfil de quem pedala e avalia que a bicicleta sempre foi uma “solução de mobilidade”, especialmente para moradores das periferias que se deparavam com transporte público ruim e caro. Mas agora, o modal passa a ser considerado como uma alternativa real e interessante, não só como única possibilidade economicamente viável de quem não tinha outra opção.
A pesquisa da associação demonstrou que 48% usam as ciclovias para se locomover, o que, na opinião de Ana Carolina, legitima a política pública e aponta para sua expansão. “Se a infraestrutura de um modal é ruim, as pessoas vão querer mudar. Antes, andar de carro era tão priorizado que era vantajoso. Mas as políticas dessa gestão sinalizam que, cada vez mais, a infraestrutura para transporte individual motorizado vai piorar. Isso motiva uma mudança para bicicleta ou transporte público”, afirma.
Alternativas integradas
Para o superintendente da Agência Nacional de Transportes Públicos Luiz Carlos Mantovani Néspoli, a demanda por locomoção é afetada diretamente pela economia. Em um cenário desaquecido, como o atual, menos gente sai de casa, menos entregas são feitas e isso diminuiu o trânsito. Ele avalia que apenas a expansão do sistema de transporte em massa é capaz de causar uma mudança substancial. “No fundo, o que faz outros modais terem maior atração é uma rede com muitas conexões e bilhetagem integrada, o bilhete único ajuda muito nisso. A medida que a rede de metrô crescer e os ônibus funcionem mais próximos do sistema de trens, com intervalos regulares, aí as pessoas poderão fazer a migração”, pontua.
Uso da bicicleta
39% tem entre 25 e 34 anos
42% tem ensino médio
28% recebe entre 1 e 2 salários mínimos
38,5% usa bicicleta 5 dias por semana
17,5% esteve envolvido em acidente de trânsito nos últimos três anos
27% leva entre 30 minutos e uma hora no trajeto mais frequente
71,4% não usa a bicicleta combinado com outros modais
Matéria originalmente publicada no portal Brasil de Fato