POR FABRÍCIO LOBEL E MOACYR LOPES JUNIOR, DA FOLHA DE S. PAULO
Embora o governo Geraldo Alckmin (PSDB) comemore uma leve melhora do nível do sistema Cantareira nos últimos meses, o "coração" do principal manancial da Grande SP nunca esteve tão mal.
O sistema, que antes do agravamento da crise abastecia 9 milhões de pessoas e hoje chega à casa de apenas 5 milhões, é formado por quatro conjuntos de represas.
O maior deles, o Jaguari-Jacareí, tem disponível atualmente apenas 1,7% de seu volume de água. Para se ter uma ideia, do 1,3 trilhão de litros de água que cabem no Cantareira, 975 bilhões são deste reservatório (mas hoje ele tem apenas 16 bilhões de litros).
A situação nesse conjunto específico é tão crítica que nem a água do volume morto, aquela localizada no fundo das represas, consegue mais ser puxada com a mesma eficiência pelas bombas.
Em todo o sistema, porém, a situação é menos grave. Nesta terça (20), o Cantareira operou com 12,2% de sua capacidade – para não mais depender das reservas do fundo das represas, precisa atingir 22%, meta sem nenhuma previsão para ocorrer.
O Jaguari-Jacareí é o conjunto de represas mais distante do Cantareira –a água percorre cerca de 100 km até chegar a casas da Grande SP.
Justamente por isso a Sabesp, a estatal paulista, prefere retirar o máximo de água desta represa e armazená-la em outras do mesmo sistema e mais próximas à capital.
Segundo a Sabesp, a manobra ocorre por "segurança". Uma eventual falha nos diversos túneis e válvulas que conectam as represas poderia deixar a Grande SP sem água.
O resultado disso é um estranho equilíbrio entre uma grande represa seca e um manancial liberando água para 5 milhões de pessoas.
Por um lado, evita a adoção de um rodízio (corte no fornecimento de água). Mas, por outro lado, estrangula a Jaguari-Jacareí e prorroga sua recuperação –as primeiras chuvas servirão só para umedecer o solo, e não para armazenar água e elevar o nível.
Atrás dessa estratégia da Sabesp, o cenário é desolador ao longo dos municípios onde está a represa (Bragança Paulista, Vargem, Piracaia e Joanópolis). O espelho d'água na represa está cerca de 25 metros abaixo do normal.
Os poucos barcos que se atrevem a navegar nela correm o risco de atolar em bancos de areia ou em tocos de árvores antes submersas.
A queda do nível da represa provoca também o recuo da água nos seus diversos braços. Onde antes havia água, hoje há um solo rachado, duro como pedra, além de um veleiro abandonado na terra e que foi tomado pelo mato.
O recuo da água ainda expôs ruínas de antigas construções que estavam submersas desde a década de 70, data da criação das barragens do sistema Cantareira, que permitiram alagar a área. Assim, também ressurgiram velhas estradas e pontes.
Donos de pousada e marinas contabilizam prejuízos com a fuga de frequentadores. Eles avançam com seus píeres represa adentro para que os barcos não encalhem.
Para o aposentado José Maria Delfino, 70, foi difícil, depois de anos, voltar ao local em que costumava pescar.
"Fomos para o mesmo ponto em que a gente pescava e não achamos a água. Aqui tinha muita água. Agora é só tristeza."
José Maria faz o diagnóstico certeiro sobre o baixo nível da represa. "É que eles [a Sabesp] soltam a água para outras represas. Se não soltassem tanto, o nível melhoraria, a paisagem melhoraria."
Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.