Por Eduardo Geraque
Após forte lobby de moradores, a lei de zoneamento que deve ser votada em novembro na Câmara prevê blindar um novo grupo de áreas residenciais de São Paulo para impedir a construção de grandes edifícios.
Pelo menos três regiões, nas zonas oeste e sul, já conseguiram reverter a ideia original da gestão Fernando Haddad (PT), pela qual elas passariam a receber novos prédios.
O texto que será apresentado na próxima semana pelo vereador e relator Paulo Frange (PTB) barra os espigões na Vila Moinho Velho (zona sul), no entorno do Colégio Anglo-Morumbi e em parte da rua Estados Unidos (zona oeste), segundo a Folha apurou.
Outras regiões ainda poderão ser incluídas na proposta para que sejam blindadas de prédios –hoje, as zonas estritamente residenciais representam 4% da capital.
O entorno da Vila Moinho Velho e do Colégio Anglo-Morumbi é atualmente dominado por casas de classe média.
Na rua Estados Unidos, a proteção vai impedir edifícios nos dois lados da via –hoje liberados não na própria rua, mas um quarteirão acima, na área de Cerqueira César.
Pontuais
A nova lei de zoneamento foi apresentada neste ano por Haddad à Câmara, onde ganhará sua versão final. Ela define como pode ser ocupado cada quarteirão, obedecendo as diretrizes do Plano Diretor, aprovado em 2014 e que tem um horizonte temporal de 15 anos.
O novo zoneamento ainda passará por duas votações na Câmara. Novas audiências públicas também serão convocadas para que a população possa debater o texto do substitutivo feito pelos vereadores.
A maioria das mudanças no texto já foi comunicada ao Executivo. Para Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano, as que ele teve ciência são pontuais. "E não altera os grandes propósitos da lei."
Moradores de áreas nobres que se mobilizaram contra a alteração de redutos residenciais alegavam temer a descaracterização dos bairros. Fizeram protestos, percorreram gabinetes de vereadores e contrataram estudos técnicos para defender essa tese.
"Procuramos fazer um debate técnico, de alto nível", afirma Marcelo Kneese, um dos responsáveis pela mobilização na rua Estados Unidos, onde a associação de moradores contratou uma empresa com cientistas políticos especializados em mapear a tendência dos vereadores.
Na região, a resistência vem até de quem já mora em prédio –e não quer espigões vizinhos, devido ao impacto no trânsito e na paisagem, pois o outro lado da Estados Unidos é ocupado só por casas.
Os moradores ainda pressionam por mais mudanças no texto original –para barrar não só edifícios, mas restaurantes e comércios na rua.
Em parte da Vila Moinho Velho, moradores participaram de audiência pública e fizeram abaixo-assinado.
"O nosso pedido está assinado por todos", afirma Selma de Freitas.
Grito e Café
Rotulado de elitista em diferentes audiências públicas e reuniões de debate da lei de zoneamento, um grupo de moradores da região da rua Estados Unidos, no Jardim América, zona oeste, se organizou, foi recebido pela prefeitura, acabou atendido pelos vereadores e virou referência para associações de outros bairros.
Marcelo Kneese, 50, um dos coordenadores do Movimento Mais Bairros Verdes e integrante da associação de moradores de Cerqueira César, mostra o que pode ser um dos segredos do grupo: discurso inflamado na Câmara e um bate-papo mais técnico quando sentado para um café.
Consultor financeiro, ele nega qualquer tipo de ligação política e afirma que todos os recursos para financiar o movimento vêm de colaboração dos próprios participantes.
O condomínio em que ele mora, inclusive, aprovou a cobrança de uma mensalidade exclusiva para esse lobby.
"Fizemos o trabalho técnico. Contratamos engenheiros para estudar o impacto do trânsito. Urbanistas para mapear os usos da [rua] Estados Unidos e escritórios de advocacia e de políticas públicas para nos assessorar", diz.
O robusto dossiê chegou aos vereadores. "Fazemos tudo a pé. A questão é que não precisamos mais de prédios e comércios com muito impacto na rua Estados Unidos."
O caso da Vila Moinho Velho, no Ipiranga (zona sul), é oposto ao da rua Estados Unidos, mas mostra também como um grupo de moradores pode fazer a diferença.
"Fomos à audiência pública aqui do bairro e, só então, começamos a entender o que era a lei de zoneamento", afirma Selma de Freitas, em nome de moradores da região.
A agitação começou quando descobriram que as ruas de casas de classe média, erguidas décadas atrás, poderiam receber prédios altíssimos. Eles recolheram assinaturas e apresentaram o pleito em outra audiência no bairro, na qual chamaram a atenção de assessores dos vereadores.
Mas, como o projeto depende de duas votações na Câmara, tudo pode mudar até chegar para a sanção do prefeito.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo