Por Artur Rodrigues
Assim que o seu bebê completou três meses, a auxiliar de limpeza Flávia Pereira Leandro, 24, incluiu o nome dele na fila por uma vaga nas creches municipais de São Paulo. O menino agora já tem dois anos e sete meses e cerca de 840 dias de espera.
Flávia mora em Paraisópolis, no distrito da Vila Andrade (zona sul). Lá, dependendo da faixa etária, o tempo médio por uma vaga ultrapassa os 500 dias, uma das filas mais longas da cidade.
As informações são da Secretaria Municipal de Educação, obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação.
No terceiro ano de mandato, o prefeito petista entregou só 34 unidades das 243 prometidas e reclama da falta de recursos federais. Com esse ritmo lento na criação de vagas e 151.755 crianças na fila, muitas mães veem os filhos crescerem sem conseguir um lugar em uma unidade.
As vagas são divididas por idade -berçário 1 (até 1 ano), berçário 2 (de 1 a 2 anos), minigrupo 1 (de 2 a 3 anos) e minigrupo 2 (de 3 a 4 anos).
Quanto mais velha a criança, mais tempo de espera.
Na Vila Andrade, a fila para crianças para a faixa etária do filho de Flávia, o minigrupo 1, demora em média 527 dias. No momento, segundo a auxiliar de limpeza, ainda há 80 crianças na frente dele.
Sem opções, ela desembolsa R$ 300 por mês para que o filho fique com uma vizinha, que toma conta de outras crianças do bairro.
"Com esse dinheiro, dava para comprar muitas coisas para ele. Sem falar que, na escolinha [creche], ensinam mais coisas para as crianças."
As irmãs Cleidiane, 37, e Cleidimar da Silva, 31, por exemplo, pararam de trabalhar por falta de dinheiro para bancar a creche particular.
"Coloquei minha filha na fila quando ela tinha seis meses. Ela está com dois anos e oito meses e não conseguiu a vaga", diz Cleidiane. "Antes do meio do ano, 165 crianças estavam na frente dela na fila. Agora, aumentou para 200 porque muita gente entrou na Justiça e passou na frente."
Já Cleidimar incluiu o nome do filho de 10 meses há 60 dias. "Já me adiantaram que só vou conseguir uma vaga quando ele estiver lá pros três anos", afirma.
No extremo sul, os distritos de Cidade Ademar e Pedreira também figuram entre os locais onde as vagas demoram mais para sair -crianças a partir dos três anos esperam, em média, 576 dias e 513 dias, respectivamente.
A briga dos moradores por mais vagas de creche nos dois distritos já é antiga. Durante a campanha eleitoral de 2012, o então candidato Haddad prometeu construir um CEU (Centro Educacional Unificado) que incluiria creche para 500 crianças. Mas até agora não há nem terreno para isso.
Agora, moradores da região perseguem o prefeito em eventos públicos para cobrá-lo.
"Conseguimos juntar mais de 10 mil assinaturas para um abaixo-assinado que entregamos a ele", diz a bancária Eliane Queiroz, 52, do Fórum Social da Cidade Ademar e Pedreira, formado por diferentes entidades da região.
Cansados de esperar, muitos pais e mães recorreram à Justiça para conseguir a vaga.
Levantamento feito pelo jornal "Agora", do Grupo Folha, mostra que uma a cada 20 matrículas nas creches se deve a decisões judiciais.
"Os juízes dão as liminares, mas, mesmo assim, a prefeitura às vezes demora a cumprir, pela falta de estrutura física", diz o defensor público Allan Ramalho Ferreira.
É o caso de Diogo Marcondes, 28, da Cidade Ademar. Pai de gêmeos, diz ter conseguido vagas na Justiça. "Mesmo assim, eles [a prefeitura] alegam que não tem vaga. O que gasto com eles em creche é a parcela de um carro."
Outro lado
A gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) afirma que aumentou a oferta de vagas de creche desde 2013.
Segundo a prefeitura, há 258.617 crianças nas creches da cidade -sendo 56.595 delas acrescidas na atual gestão.
Atualmente, a fila na capital é de 151.755 crianças.
Em nota, a prefeitura diz que, para diminuir o deficit de atendimento, tem trabalhado em ações como construção de novas unidades e no atendimento em parceria com a iniciativa privada e com organizações da sociedade civil, entre outros.
De acordo com a prefeitura, o plano de obras da educação infantil abrange todas as regiões em que há demanda. "A missão é não deixar nenhuma criança fora da creche."
Sobre a disparidade de tempo de espera entre bebê e crianças mais velhas, a prefeitura diz que a ordem de prioridade para o próximo ano será a partir da última faixa (de 3 a 4 anos) e, em seguida, o atendimento aos mais novos.
A gestão Haddad afirmou que o CEU da Cidade Ademar, na zona sul da cidade, que inclui creche, é "uma das prioridades" da prefeitura.
No entanto, o local está em "fase de estudo de viabilidade e definição de terreno".
O espaço não está entre as oito primeiras unidades cujas obras começarão em dezembro deste ano.
Doações de prédios
De acordo com a prefeitura, foram concluídas nesta gestão as obras de 75 equipamentos educacionais -entre os quais estão 34 creches.
Uma das apostas do secretário de Educação, Gabriel Chalita (PMDB), é a criação de creches em parceria com a iniciativa privada.
Pelo modelo, as empresas doariam prédios ou terrenos para a construção de creches -a administração e o custeio das unidades, porém, ficariam a cargo do município.
"Algumas parcerias estão adiantadas, como a da Uninove, que deve oferecer até cinco creches, e o Shopping Iguatemi, que oferecerá uma", afirma a nota emitida pela assessoria de imprensa da prefeitura.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo