Alguém aí sabe explicar por qual razão a Polícia Militar de São Paulo não consegue lidar com manifestações públicas como as do começo da semana sem proporcionar cenas de guerra, de batalha campal?
Assim como bater em estudantes secundaristas menores de idade não tem cabimento, carece de lógica descer a borracha "preventivamente" em manifestantes que estão reunidos para protestar seja contra o que for, como aconteceu no outro dia na paulista.
E o pior é encurralar multidão com bombas e repressão pesada, sem permitir rota de fuga para sua dispersão, prática essa expressamente vetada pelo manual da corporação e condenada até pela ONU, mas mesmo assim colocada em prática.
Sem falar em perseguir manifestantes com motocicletas em cima das calçadas, como aconteceu no rescaldo da manifestação, em Higienópolis, longe da área de conflito.
Parênteses necessário: sou contra fechar a avenida Paulista ou qualquer outra via essencial da cidade a bel prazer várias vezes por semana e/ou sem comunicação prévia, criando situações em que o direito de ir e vir é prejudicado, seja pela manifestação em si, seja pela própria polícia. Assim como sou contra mascarados de qualquer espécie e depredadores em geral; estes últimos devem ser execrados pela população, bem como identificados e responsabilizados pelos danos causados.
Isto posto, mais perguntas: porque não há trabalho de inteligência na polícia para conviver naturalmente com manifestações pacíficas e para antecipadamente identificar a ação de grupos ou indivíduos que querem apenas partir para a ignorância?
Minha constatação, mais ou menos óbvia: a Polícia Militar não é capacitada para investigar ou articular atitudes preventivas levando em consideração coleta de informações, identificação de focos de instigação à violência ou preparação de material bélico, por exemplo.
Ao tentar fazer isso cai no ridículo, como nas cenas de PMs de capacete e colete à prova de balas revistando bolsas de senhorinhas e pastas de executivos em estação do metrô.
No mais, é cassetete e bomba, só?
A opção preferencial e aparentemente única do governo Alckmin pela ação truculenta da PM nestas situações é, além de tudo, um desprestígio para toda uma corporação especializada em investigar, prever, identificar e anular ação de eventuais delinquentes, que é a Polícia Civil do Estado.
Esta divisão idiossincrática entre Polícia Civil e Polícia Militar, muitas vezes uma contra a outra, é herança da ditadura militar e nem deveria existir mais, mas já que está aí, porque não colocar em ação os investigadores do Deic – Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado, do DHPP – Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, do DPPC – Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania, ou mesmo do Decade – Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas, para identificar e impedir antecipadamente a ação dos tais "baderneiros" e "depredadores", tantas vezes citados pelas autoridades, e proteger os manifestantes pacíficos?
Sim, manifestações pacíficas são legais e devem ser – como ocorre em outros países – protegidas pela polícia, não atacadas e dispersadas porque poderiam fugir do controle.
Ao insistir apenas na repressão pesada, ao confundir o cidadão com o baderneiro e até querer que jornalista use uniforme para não apanhar, confronta-se a um só tempo a Constituição e o bom senso.
Artigo originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo