POR RODRIGO RUSSO – FOLHA DE S. PAULO
A empresária Damiane Medeiros perdeu mais de 40 minutos nesta terça (23) na fila para carregar seu Bilhete Único em um terminal da estação Barra Funda –tempo suficiente para percorrer a linha 2-verde do metrô de ponta a ponta, da Vila Madalena (zona oeste) à Vila Prudente (zona leste), com pausa para um café.
Nas últimas semanas, ela já teve experiência mais traumática: uma espera de três horas na estação de trem da Lapa –sua viagem para casa não levaria nem 15 minutos.
Como Damiane, outros passageiros do transporte público estão perdendo mais tempo nas filas para a recarga do Bilhete Único ou para a compra da passagem nas bilheterias do metrô do que nos deslocamentos que farão pela cidade de São Paulo.
"Olha que eu trabalho por conta própria. Imagino quem toma advertência por chegar atrasado ao emprego", diz.
O problema se arrasta há quase três meses nas diversas estações de metrô e, numa previsão otimista, deve durar ao menos mais um mês.
A longa espera –até em horários inusuais, como a fila de mais de 60 pessoas em uma bilheteria da Santa Cecília às 23h20 da última terça (22)– foi agravada no começo de dezembro, quando a Rede Ponto Certo pôs fim ao serviço de autoatendimento em estações e terminais de ônibus.
Líder do setor, a empresa decidiu cancelar também os guichês com atendentes para recarga do Bilhete Único. Sua explicação: a baixa taxa bruta de remuneração pela atividade, que foi de 1,82% em novembro passado.
A Ponto Certo detinha 55% dos cerca de 9 mil pontos de atendimento ao usuário na cidade –inclusive em pontos comerciais, como padarias.
A situação piorou depois da alta da tarifa, de R$ 3,50 para R$ 3,80, em janeiro.
O Metrô passou a ter problemas para dar troco –chegou até a cobrar menos em estações por não ter moedas.
Assim, quem abandonava a fila dos terminais de autoatendimento do Bilhete Único só trocou a área de espera –mesmo se quiser pagar a passagem em dinheiro e abrir mão dos benefícios do cartão.
O porteiro Leonardo Oliveira da Silva, 29, era um dos inconformados com a espera na Barra Funda, onde só uma de três máquinas funcionava. "É osso, uma estação grande como essa e os usuários sem qualquer prioridade". "Às vezes fico mais tempo na fila do que indo até Osasco", reclamava a estudante de farmácia Mércia Damasceno, 28.
VÍCIO NO SERVIÇO
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) encaminhou notificação às autoridades estaduais e municipais na semana passada para cobrar a normalização da recarga de cartões eletrônicos –usados em 90% das viagens pagas em metrô e ônibus.
O instituto pediu ainda abatimento de preço por vício nos serviços até que a situação seja regularizada.
O Metrô afirma que não consegue abrir mais guichês exatamente pela falta de troco, que ressalta ser um problema geral do país. Nesta semana, ele abriu, em caráter experimental, seu primeiro posto de troca de moedas, na Sé.
O processo de reposição dos pontos abandonados pela Ponto Certo está em andamento, mas só tende a ser concluído no fim de março. Após esse período, nova licitação será iniciada para complementar a rede de recarga de Bilhete Único no Metrô.
No ano passado, após ser informado de que a Ponto Certo não continuaria a operar os guichês, a companhia gerenciada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) fez duas licitações para locação de espaços para esse serviço. A última delas em novembro, sem que houvesse interessados.
Caso desejem instalar guichês ou terminais de autoatendimento no Metrô, as prestadoras de serviço precisam pagar aluguel e oferecer um percentual variável sobre as vendas. Antes disso, precisam se credenciar na SPTrans (empresa municipal de transportes), que paga comissões de 0,8% a 3%, dependendo do tipo de Bilhete Único.
Além da Ponto Certo, há outras oito companhias nesse ramo em São Paulo, embora nenhuma tenha seu tamanho ou capilaridade. "Há falta de preparo da administração pública. É possível abrir mercado, oferecer melhores garantias aos interessados", diz Luiz Célio Bottura, consultor em transportes.
OUTRO LADO
Em nota, o Metrô afirmou que, desde o fim de 2015, vem adotando uma série de medidas para facilitar a compra e recarga de créditos do Bilhete Único em suas estações.
"Para atender o abandono da Rede Ponto Certo do contrato, novas empresas que realizam o serviço foram chamadas e, atualmente, todas as estações contam com pelo menos um equipamento para recarga."
O Metrô informou ainda que, em três estações (Tietê, Barra Funda e Jabaquara), ampliou o número de guichês para atender os passageiros nos horários de pico e que, em outras seis estações (Sé, Tatuapé, Itaquera, Paraíso, Consolação e Ana Rosa), há guichês exclusivos para quem tem dinheiro trocado.
A estatal admitiu também que "a falta de moedas é o principal causador das filas nas bilheterias do Metrô" e que "o Banco Central inclusive admite a escassez de moedas em circulação".
A SPTrans, por sua vez, declarou que trabalha "em conjunto com a Companhia do Metropolitano para que novos equipamentos estejam disponíveis aos passageiros o mais rápido possível".
ONDE CARREGAR O BILHETE ÚNICO
> Loja virtual
Compra de créditos pelo site da SPTrans, porém é preciso passar cartão em leitor especial nas estações para validar saldo
> Lojas físicas
É possível adquirir os cartões em duas lojas da SPTrans:
– Rua Augusta, 449, das 8 às 16h30 – Consolação;
– Rua Frederico Abranches, 168/172 das 8 às 16h30 – Santa Cecília.
> Postos autorizados
40 pontos da SPTrans fazem a recarga dos bilhetes
> Pontos de venda
8.000 lotéricas, bancas de jornal, farmácias e padarias também podem recarregar o cartão
Encontre o posto de recarga mais próximo buscando o endereço aqui
CRONOLOGIA DO PROBLEMA
12.dez.2015
Rede Ponto Certo põe fim ao serviço de autoatendimento em estações e terminais de ônibus, além de cancelar também os guichês com atendentes para recarga do Bilhete Único
15.dez.2015
Passageiros reclamam de filas após rede pôr fim ao serviço de autoatendimento. Na época, das 61 estações de metrô, 21 tinham pontos de venda fora de funcionamento.
9.jan.2016
Tarifa do transporte público paulistano é reajustada de R$ 3,50 para 3,80. Sem moedas para troco, Metrô chegou até a cobrar menos em algumas estações
20.jan.2016
Reportagem flagra passageiros recorrendo a ambulantes que têm cartões do Bilhete Único Diário e cobram R$ 4 por passagem, para não ter que ficar em fila de recarga
Final de março.2016
Prazo previsto pelo Metrô para conclusão do processo de reposição dos pontos abandonados pela Ponto Certo. Após esse período, nova licitação será iniciada para complementar a rede de recarga de Bilhete Único
Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.