Secretário de Haddad diz que as 120 alterações da Cãmara em projeto sobre o uso do solo foram 'mais um processo de pacto do que de negociatas'
POR EDUARDO GERAQUE E GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO
Responsável pela nova lei de zoneamento da cidade de São Paulo, o secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, afirma que a discussão sobre as mudanças feitas por vereadores no texto enviado pela gestão Fernando Haddad (PT) são "falsas polêmicas que não levam a lugar nenhum".
A lei, aprovada na semana passada pela Câmara Municipal, define o que pode ser construído e que atividade pode existir em cada quarteirão da cidade. Após quase um ano de discussões, o texto sofreu cerca de 120 emendas.
Para Franco, o resultado foi bastante positivo, e as alterações feitas foram "muito mais um processo de um pacto do que de negociatas". Uma mudança polêmica foi a que barrou bares e restaurantes nos Jardins, Pacaembu e City Lapa (zona oeste).
Outra foi a liberação de apartamentos maiores e com mais vagas de garagem em grandes avenidas, na contramão do Plano Diretor -que prevê imóveis menores e com só uma vaga. O secretário minimiza alegando ser um dispositivo em meio à crise econômica, com duração de três anos. "É quase inócuo."
Folha – O texto do zoneamento foi "retalhado" pela Câmara? Qual é a sua avaliação?
Fernando de Mello Franco – A avaliação é que o resultado é muito positivo para a cidade. Primeiro porque houve um acompanhamento muito intenso por parte do Executivo no processo legislativo. Não podemos dizer que tivemos surpresas absurdas. A cidade é muito complexa, tem inúmeros interesses legítimos e conflitantes, e o texto resulta desse processo. Evidentemente, têm coisas que discordamos, mas não é nada estruturante. Foi muito mais um processo de um pacto do que de negociatas.
Houve uma polêmica com a retirada de áreas comerciais em bairros como Jardins e Pacaembu, após pressão de moradores. Outra foi sobre a permissão para construir apartamentos maiores e com mais vagas de garagem…
Essas polêmicas são, em grande parte, construídas pela mídia. A polêmica da retirada de ruas comerciais de bairros residenciais é absolutamente secundária diante da magnitude de questões ambientais, imobiliárias, de mobilidade, desenvolvimento econômico e patrimônio histórico. Esses temas são muito mais substantivos do que a polêmica em 4% do território da cidade. Ser ou não uma zona comercial no bairro x, y ou z não traz impactos estruturantes. A saída para a crise econômica passa pelo fortalecimento e organização das dinâmicas urbanas. Esse é o substantivo do debate.
Como o sr. vê essa resistência dos bairros, que montaram campanha para barrar o comércio, caso dos Jardins?
Exatamente, uma campanha. A gente está num momento de conflagração política no país, e o que está acontecendo é que estão usando o Plano Diretor e o zoneamento como um instrumento dessa disputa política legítima. Só que o zoneamento é muito mais importante do que essa disputa. Se a gente não tiver a generosidade de olhar algo que é um projeto da cidade, e não de partido, vamos continuar alimentando falsas polêmicas que não vão nos levar a lugar nenhum.
A questão da liberação de mais garagens e apartamentos maiores nas grandes avenidas, o que contraria em parte o Plano Diretor, não vai ter um impacto negativo?
Esse artigo está no capítulo de disposições transitórias. Durante três anos após a aprovação da lei, em caráter improrrogável, passa a ocorrer uma flexibilização. A demanda ocorre num momento de crise. Era necessário termos uma possibilidade de transição, onde o mercado pudesse oferecer um tipo diferente do produto, permitindo apartamentos um pouco maiores e com flexibilização das vagas [abrindo a possibilidade para uma segunda vaga de garagem sem que o construtor precise pagar a mais por isso].
O mercado pediu um dispositivo anticíclico exatamente nos eixos [avenidas com transporte público], aderindo à política urbana traçada pelo município.
O mercado imobiliário quer lucrar. Três anos não é um período em que o mercado pode fazer a festa?
Fazer a festa no momento em que a gente está? Você acompanha os cadernos de imóveis dos jornais. Se em três anos o mercado bombar, vou estar muito contente, e vocês também. Esse risco é muito pequeno. Quem acompanha o mercado não acredita que em três anos será possível fazer a festa.
Na avenida Santo Amaro, por exemplo, a gente já vê lançamentos de pequenos apartamentos, de cerca de 30 m².
O mercado estava operando assim [em concordância com o Plano Diretor]. Na verdade, acho que esse dispositivo [que aumenta as vagas de garagem] é quase inócuo.
A permissão de 'puxadinhos' na periferia, com comércio em baixo e residência em cima, não é outra mudança importante no texto original?
Nós temos pesquisas que mostram que 40% das pessoas não saem do Tremembé (zona norte), por exemplo. Elas fazem tudo ali dentro. São territórios muito dinâmicos. Há vários dispositivos no zoneamento que podem fortalecer essas cadeias produtivas nessas áreas periféricas.
E sobre as zonas de moradia popular em áreas consideradas nobres?
Se você achar que todos são iguais, habitação de interesse social é tão nobre quanto. Todos deveriam ter as mesmas condições. Se o zoneamento funcionar plenamente nos próximos 13 anos [tempo de vigência da lei], ajudará a resolver o deficit habitacional.
Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.