GIBA BERGAMIM JR. E EDUARDO GERAQUE – FOLHA DE S. PAULO
O premiado restaurante Mocotó colocou a Vila Medeiros, bairro de periferia na zona norte de São Paulo, no mapa gastronômico da cidade, atraindo à região centenas de pessoas todos os meses.
Essa população flutuante que se desloca especialmente nos finais de semana a esse distrito nas proximidades da rodovia Fernão Dias, porém, indica um paradoxo.
Enquanto as iguarias inspiradas em receitas do sertão arrebanham "turistas", o censo do IBGE mostra que a Vila Medeiros é o bairro que mais perdeu moradores em São Paulo, com debandadas seguidas, desde 1991.
O bairro está no topo de uma lista de 15 distritos que há duas décadas mais perdem população proporcionalmente, conforme cruzamento de informações feito pela Folha com base em dados do IBGE e da Fundação Seade.
A oscilação de moradores nos bairros foi um dos pontos que nortearam a nova lei de zoneamento da cidade.
A lei, sancionada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) na semana passada, deve valer por 13 anos e define o que pode ser construído e que tipo de atividade pode existir em cada rua da cidade.
Com ela, a administração tenta atrair gente de diferentes classes sociais para morar na região central e nas grandes avenidas com oferta de transporte público —essas ganharão prédios mais altos.
Em 20 anos, a população da Vila Medeiros caiu 16,8%, o que significa 26.221 pessoas a menos. Em seguida entre os bairros que mais encolheram, vem o distrito Jaguara, na região da Lapa. Ao longo de duas décadas, 4.903 moradores (16,5%) saíram dali.
Áreas nobres da capital paulista, com boa infraestrutura urbana, não escaparam. Campo Belo (zona sul), Alto de Pinheiros (oeste) e Santana (norte) estão entre os locais com redução de moradores.
No Campo Belo, a população encolheu 15,7% —12.200 pessoas a menos. No Alto de Pinheiros e em Santana, a redução foi de 7.234 (14,4%) e 18.882 (13,7%), respectivamente. Projeções da Fundação Seade feitas em 2015 confirmam a tendência observada nos censos do IBGE.
EXPLICAÇÃO
Segundo urbanistas, os motivos para o êxodo variam de acordo com os bairros.
O envelhecimento da população é uma possível causa do encolhimento da Vila Medeiros. Para o urbanista Kazuo Nakano, além deste fator, pesa ainda o modelo urbanístico de alguns distritos.
Seria o caso de Alto de Pinheiros, estritamente residencial, onde várias casas vazias ostentam placas de vende-se. Para Nakano, moradores deixaram áreas como essa em busca de maior segurança em condomínios nos bairros vizinhos, com maior mescla de residência e comércio.
No Campo Belo, um dos campeões de lançamentos imobiliários verticais e comerciais entre 2000 e 2010, o perfil residencial perdeu espaço para o comercial.
Dados da prefeitura indicam que o número de postos de trabalho ali cresceu 51% entre 2007 e 2013 —contra 31% em toda capital.
"É por isso que, apesar de perder um pouco da população, o trânsito no Campo Belo aumentou", diz o engenheiro Flamínio Fichmann, consultor em transportes e morador da região.
Em 20 anos, como houve alterações nos padrões de deslocamento, era esperado que o tráfego aumentasse na cidade como um todo, segundo o consultor em transportes Luiz Fernando Di Pierro. Entre 2007 e 2012, enquanto a população de São Paulo cresceu 2%, o número de viagens por carro subiu 18%.
ANHANGUERA
O ativista cultural Bruno Ferreira de Novais, 32, costuma recordar a infância no chão de terra batida toda vez que vê, da porta de sua casa, o emaranhado de construções no Morro Doce, no extremo norte de São Paulo.
Os antigos espaços vazios para brincadeiras de 20 anos atrás deram lugar a casas coladas umas às outras. "Até 1987, só tinha ruas de terra, e o ônibus passava só no outro bairro. De um rancho onde se via gente a cavalo, veja o que virou", diz Novais.
Morro Doce é a síntese do processo de explosão populacional que atingiu o distrito Anhanguera, o que mais cresceu na cidade.
Na contramão de bairros mais próximos do centro, a população do distrito aumentou 430% entre 1991 e 2010 —de 12.408 moradores para 65.659, segundo o IBGE. Projeção da Fundação Seade aponta que esse número chegou a 76.340 em 2015.
Em toda a capital, a alta foi de 16% no período (de 9,6 milhões para 11,2 milhões).
O arquiteto Kazuo Nakano diz que bairros da zona norte próximos a rodovias foram alvo de um boom populacional a partir dos anos 1990, quando muitas áreas vazias no pé da Serra da Cantareira começaram a ser invadidas.
Além do Anhanguera, 38 dos 96 distritos da cidade cresceram sem parar nos últimos 20 anos. A maioria está nas periferias, como Cidade Tiradentes (zona leste) e Parelheiros (sul). A Vila Andrade (oeste), onde está a favela Paraisópolis, é o segundo distrito que mais cresceu.
Conhecido como Bruno Pog, Novais está produzindo um documentário explicandos as mudanças no bairro onde cresceu e vive com a mãe e três irmãos até hoje.
"Os primeiros moradores chegaram no início dos anos 1980, mas foi no começo dos anos 1990 que surgiram os movimentos de moradia. O bairro cresceu por meio de lutas populares", diz Novais.
Quem vive ali se abastece de um comércio consolidado ao longo dos anos. "Por isso, o padrão aqui são construções com comércio embaixo e residência em cima", disse. A nova lei de zoneamento prevê regularizar esse tipo de construção na periferia.
TEMPERO NORDESTINO
No outro lado da tabela, a Vila Medeiros, também na zona norte, vê o efeito contrário, com a maior queda populacional. Entusiasta do bairro onde cresceu e ajudou a criar o restaurante Mocotó, o chef Rodrigo Oliveira arrisca motivos para a debandada. "O bairro cresceu muito em comércio e teve valorização dos imóveis. O aluguel foi ficando caro, o que pode ter feito as pessoas saírem para lugares mais baratos", disse.
Oliveira mudou-se com sua família para Guarulhos, que faz divisa com o bairro, há três anos. "Tenho muito orgulho da Vila [Medeiros]. Me mudei somente porque aqui só há casas, e a gente optou morar em prédio", disse.
O pai dele, o pernambucano José Oliveira de Almeida, 77, criador do caldo de mocotó que deu origem ao restaurante, porém, não arreda o pé da Vila, onde vive com a mulher —a duas quadras do restaurante.
Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.