Desembargadores consideram ampliação de vagas inconstitucional; Câmara diz que não foi notificada. Mesa Diretora discute fim de benefícios extras, chega a criar comissão, mas recuo de vereadora deve barrar vencimentos e atender ao STF
ALEXANDRE HISAYASU, FAUSTO MACEDO, JULIA AFFONSO, JULIANA DIÓGENES – O ESTADO DE S.PAULO
Os desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ-SP) decidiram, por votação unânime, vetar o projeto de lei que criou 660 cargos comissionados na Câmara Municipal de São Paulo. Ainda nesta quarta, após debates, polêmicas e recuos, a Mesa Diretora do Legislativo deu o primeiro passo para acabar com os “supersalários” de 129 servidores da Casa. Ainda assim, a decisão ocorre dois meses após o Supremo Tribunal Federal exigir a adequação aos limites do teto do funcionalismo.
No TJ-SP, os 25 magistrados aceitaram os argumentos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção São Paulo, que afirmou que o projeto de criação de cargos é inconstitucional. O autor da ação contra o projeto de lei, advogado Adib Kassouf Sad – que é presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB –, explicou que a Constituição determina que o acesso a cargos públicos deve ser feito por concurso público. “Apenas em cargos de chefia, de direção, sob o comando do gestor público é permitida a contratação de funcionários comissionados. Criar 660 cargos comissionados sem o devido concurso é inconstitucional.”
Para o advogado, o projeto de lei não obedeceu a uma regra básica da Constituição. A decisão suspende a Lei 16.234/2015, que prevê até 12 auxiliares parlamentares nos gabinetes de cada um dos 55 vereadores.
O projeto foi aprovado, em junho de 2015, em rápida votação. A suspeita era de que os novos cargos serviriam, na prática, para a contratação de cabos eleitorais para os parlamentares. O texto dizia em um dos trechos que o projeto “tem por finalidade readequar a estrutura e o funcionamento da assessoria parlamentar dos gabinetes, a fim de permitir que cada vereador, no exercício do seu mandato, possa melhor estruturar o trabalho para bem atender aos anseios dos munícipes, sem que ocorra qualquer aumento ou acréscimo de despesa”.
Em outubro, o desembargador Sérgio Rui, em caráter liminar, suspendeu o projeto de lei. Nesta quarta, o mérito da ação da OAB foi julgado pelo Órgão Especial da Corte. Nas redes sociais, o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, comemorou e afirmou que “a sociedade paulistana acaba de ter uma grande vitória republicana”. O advogado Sad complementou e disse que “no momento de profunda crise econômica a OAB-SP conseguiu evitar esse enorme desperdício de dinheiro público da municipalidade, prevalecendo a moralidade pública”.
Procurada, a assessoria da Presidência da Câmara Municipal informou, por telefone, que ainda não foi notificada da decisão da Justiça, mas disse que o projeto previa utilizar “verba já existente” e permitiria “flexibilizar contratações de futuros servidores”.
Supersalários
Já a questão dos benefícios extras pagos a funcionários causou atritos e polêmicas em reunião da Mesa Diretora da Câmara nesta quarta. Como o Estado revelou em abril, o gasto mensal com supersalários chega a R$ 1 milhão e há pagamentos unitários que passam de R$ 60 mil – quatro vezes o vencimento de um vereador.
Naquele mês, porém, publicou-se um acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), explicitando decisão de novembro que estabelece que vantagens pessoais, abonos e quaisquer outros extras recebidos por servidores não podem ultrapassar o teto do funcionalismo na União, nos Estados e nos municípios. No governo federal, o limite é de R$ 33,7 mil, o salário de um ministro do Supremo. Em São Paulo, o teto é menor: R$ 24,1 mil, hoje o salário do prefeito Fernando Haddad (PT).
Para adaptar-se à regra, é necessário revogar um ato de 2013 da Mesa Diretora, que exclui do teto municipal verbas extras pagas aos servidores. Essa política é consequência, segundo a Presidência do Legislativo, de ações movidas por funcionários que tiveram salário cortado em 2012 e 2013. Em abril e maio, a Mesa Diretora alegou ter feito consultas a outros órgãos afetados pela determinação do STF, como o Tribunal de Justiça e o Ministério Público, para entender o corte de vantagens.
Nesta quarta-feira, 8, o presidente da Câmara Antônio Donato (PT), e o vereador Milton Leite (DEM) apresentaram à Mesa Diretora a anulação do ato de 2013, o que automaticamente cortaria os benefícios. Ambos defenderam a revogação do ato, mas Edir Salles (PSD), Adolfo Quintas (PSD) e Adilson Amadeu (PTB), presentes à reunião, se negaram a assinar.
Os três votaram pela criação de uma comissão, que analisaria “caso a caso” por três meses. E ainda indicaram os nomes dos funcionários da mesma elite legislativa, acusada de receber “supersalários”, para compor o grupo. “Os funcionários é que têm de avaliar”, alegou Quintas. Para Amadeu, “é um direito adquirido até que se prove o contrário”.
Pressão
Foi quando começou a pressão para Edir alterar a posição. Recém-filiado para buscar candidatura a prefeito, o ex-tucano Andrea Matarazzo teve o primeiro atrito na bancada. Como em abril, criticou a manutenção dos benefícios. “O Legislativo tem de dar o exemplo.”
Ainda nesta quarta, ele pediu a Edir que assinasse a revogação do ato. Procurada, a vereadora alegou não ter “posicionamento final”. À noite, porém, o assessor da parlamentar, Everton Aguiar, afirmou que ela assinará hoje a revogação do ato de 2013, suspendendo o pagamento dos supersalários. Dessa forma, também a comissão criada nesta quarta deixará de existir.
Instalada a CPI do Teatro Municipal
A Câmara Municipal instalou nesta quarta a CPI do Teatro Municipal, que vai apurar irregularidades nos contratos firmados pelo órgão entre 2013 e 2015, na gestão Fernando Haddad (PT). A comissão será presidida pelo vereador Quito Formiga (PSDB), autor do pedido de CPI, e terá o petista Alfredinho como relator.
No período em análise, o teatro foi comandado por José Luiz Herencia, investigado por superfaturar contratos e provocar prejuízo de R$ 18 milhões. Réu confesso, ele fez acordo de delação premiada com a Promotoria e implicou o secretário de Comunicação, Nunzio Briguglio, e o maestro John Neschling. Ambos negam as acusações.
Matéria publicada originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.