Cristiano Façanha, colaboração para o UOL
Coincidência ou não, enquanto os brasileiros estão distraídos pela instabilidade do ambiente político — com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e complicações do governo interino de Michel Temer –, recessão econômica e Olimpíadas, uma comissão especial na Câmara dos Deputados propôs uma lei (Projeto de Lei 1013/2011) que libera a comercialização de carros a diesel no Brasil.
Há parecer favorável do relator, deputado Evandro Roman (PSD-PR), mas a Comissão Especial sobre Motores a Diesel para Veículos Leves aprovou pedido de adiamento da votação proposto pelo deputado Bruno Covas (PSDB-SP), no começo do mês (dia 1º).
A restrição ao consumo do diesel para veículos leves existe desde os anos 1970 para reduzir a dependência ao petróleo importado. Apenas veículos utilitários (caminhões, ônibus, picapes com capacidade de carga superior a 1.000 kg, além de veículos com tração 4×4 e reduzida) podem usar o combustível.
A liberação do diesel para veículos leves no Brasil sempre foi uma ideia terrível do ponto de vista econômico, ambiental, e de saúde pública.
Há ainda o batuque contínuo da mídia internacional sobre a poluição dos carros a diesel na Europa e Estados Unidos, fortalecido após o escândalo de fraudes com motores a diesel da Volkswagen, em setembro de 2015, e que se estende a outras marcas.
Impacto na economia e clima
Sob o ponto de vista econômico, o Brasil importou 19% de todo diesel vendido no país em 2014, e uma maior demanda significaria ainda mais importações em prejuízo da balança comercial. Não há alternativas viáveis a este derivado do petróleo no transporte de carga e coletivo.
Sob perspectiva ambiental, mais carros a diesel na rua ampliariam os efeitos da mudança climática, já que substituiriam uma parcela do etanol, que possui claros benefícios comprovados.
Dependendo do volume de vendas de carros a diesel, as emissões de dióxido de carbono (CO2) poderiam aumentar entre 5% e 22% em 2050. No entanto, o impacto mais grave seria na qualidade do ar e na saúde pública.
Apesar de os carros a diesel já representarem cerca de 6% das vendas de veículos leves novos no Brasil, estimamos que eles são responsáveis por 30% das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e 65% do material particulado extrafino (PM2,5), dois dos poluentes mais nocivos à saúde humana.
Qualquer aumento do número de veículos a diesel exacerbaria esse problema.
Poluição maior
Na Europa, onde representam cerca de metade da frota, eles emitem em média sete vezes mais NOx em condições normais de uso do que os limites de certificação.
Como os resultados dos programas de testes, depois do "Dieselgate" nos EUA, Alemanha, Reino Unido e França demonstram que o problema não é limitado a um único fabricante ou a um número pequeno de modelos.
Com relação às emissões de partículas extrafinas, classificadas como carcinógenos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), os limites de certificação dos veículos leves a diesel vendidos no Brasil hoje seriam quase 30 vezes maiores do que os limites para um motor flex ou gasolina.
Estimamos que a venda crescente desse tipo de motor no Brasil em níveis equivalentes aos europeus resultaria em 150.000 mortes prematuras até 2050 devido à exposição ao PM2,5 oriundo do diesel em centros urbanos.
A restrição a este combustível no Brasil limitou seus impactos negativos, especialmente quando comparados a regiões como Europa ou Índia onde políticas de apoio à ampla comercialização do diesel juntamente a normas de emissões veiculares frouxas contribuíram para severos problemas da qualidade do ar.
Regras precisam ser mais rígidas
Todavia, apesar do progresso atingido pelo Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), a qualidade do ar em muitas cidades brasileiras ainda não cumpre com as recomendações da OMS. Se aprovado, o projeto de lei citado somente pioraria tal problema.
Antes de considerar a revogação das restrições aos carros a diesel, as autoridades brasileiras deveriam adotar padrões mais exigentes de emissões veiculares, algo equivalente às normas U.S. Tier 2 (EUA) ou Euro 6 (Europa), eliminar a distribuição do superpoluente diesel S500 (ainda vendido fora das grandes cidades) e implementar um programa efetivo de conformidade e fiscalização.
Até que essas normas sejam aprovadas e implantadas a liberação intempestiva contradiz objetivos econômicos, ambientais e de saúde pública.
* Cristiano Façanha é engenheiro de transporte e coordenador de atividades do ICCT (International Council of Clean Transportation)
Matéria publicada originalmente no UOL Notícias.
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