Consumo em localidades como Alto de Pinheiros, Jardins e Perdizes aumentou 12% em junho, na comparação com janeiro deste ano, segundo dados da Sabesp
Fabio Leite e Giovana Girardi, O Estado de S. Paulo
Dois meses após o fim da política de bônus e multa para combater o desperdício, quase metade das regiões da capital paulista já abriu a torneira e elevou o consumo de água, na comparação com o período de crise hídrica. Dados fornecidos pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) mostram que o consumo médio por imóvel em bairros nobres da cidade, como Alto de Pinheiros, Jardins e Perdizes, já subiu 12% em junho, em relação a janeiro deste ano, mas ainda continua bem abaixo (-19%) do padrão pré-crise, no início de 2014.
A Sabesp divide a cidade de São Paulo em 27 regiões de controle de consumo. Segundo o balanço do mês passado, 12 áreas apresentaram gasto maior do que no início do ano, entre as quais Butantã, Santo Amaro e Vila Mariana. Ao lado dos Jardins e da Sé, são as regiões que sempre mais consumiram água. A maior parte da capital, contudo, ainda apresentou consumo inferior, principalmente bairros mais periféricos, como Guaianases, Itaim Paulista e São Miguel, na zona leste, com reduções de consumo superiores a 5% em relação a janeiro.
“A verdade é que a gente relaxou, tirou o freio depois que acabou o bônus, que o governo parou de alertar e que a crise hídrica deixou de ser tratada na mídia. No ano passado estava todo mundo engajado. Depois disso, paramos de tomar cuidado”, disse Marcos Couto, síndico de um condomínio em Perdizes, na zona oeste, onde o consumo de água em junho subiu 111% na comparação com 2015.
A alta, aliada aos dois aumentos de tarifa da Sabesp no período – 15,2%, em 2015, e 8,4% em maio deste ano -, causou um susto no prédio. Em janeiro de 2015, o valor da conta foi de R$ 1.005. No mês passado, R$ 5.760. “Ficou demais. Vamos ter de fazer campanha para engajar o pessoal de novo.” O problema já tinha sido observado pela administradora de condomínios Lello, que contabilizou uma redução de 57,3% na economia de água dos prédios residenciais após o fim dos incentivos.
Junho foi o segundo mês, após mais de dois anos, sem a vigência do programa de descontos de até 30% na conta para quem reduzisse o consumo e da multa de até 50% para quem o elevasse. A política de incentivo foi encerrada em abril pela Sabesp, após o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciar, em março, o fim da crise. À época, o Sistema Cantareira, o mais atingido pela estiagem, tinha 29,5% da capacidade, sem incluir o volume morto. Nesta quinta-feira, 28, o índice era de 47%.
Legado
A gerente de relacionamento com clientes da Sabesp, Samanta Souza, destaca que o hábito de consumo do paulistano continua o mesmo que o observado durante a crise. “Identificamos isso, principalmente nas residências unifamiliares (casas), que adotaram soluções alternativas durante a crise, como captação da água da chuva e reúso da água da máquina de lavar, e mantiveram isso.”
Segundo os dados da Sabesp, em toda cidade, o consumo médio por imóvel subiu apenas 0,8% no primeiro semestre deste ano, ficando em 10,6 mil litros por mês. Em janeiro de 2014, quando a crise foi anunciada, a média era de 15,5 mil litros, ou seja, 46% maior. Diante desse cenário, a produção de água da Sabesp para toda a Grande São Paulo ainda continua cerca de 20% abaixo da praticada antes da crise, um volume de água semelhante ao produzido no início dos anos 2000.
Samanta acrescenta outros dois fatores ao “represamento” do consumo: a crise econômica e a migração de clientes para fontes alternativas. “Na indústria e no comércio o principal impacto é o da crise econômica do País. Tem muita empresa decretando falência e comércio fechando as portas. Já nos condomínios, vimos uma migração para poços artesianos perfurados sem outorga, que não sofrem fiscalização. Muitos prédios estão misturando essa água que não tem controle de qualidade com a da Sabesp, o que nos preocupa muito.”
Ainda não é de hora de relaxar, afirma ambientalista
O fim do bônus para economia de água e da multa para quem gastasse em excesso, além das mensagens do governo do Estado de que a crise hídrica acabou, são considerados por ambientalistas que vêm acompanhando o problema os principais motivos para o crescimento do consumo.
“Como dizem por aí, a primeira coisa que a chuva leva é a memória da seca. E se o governador diz que estamos bem até 2018, que não temos mais problema nenhum, que pode voltar à vida normal, claro que as pessoas relaxam, mas precisamos continuar atentos. E já vemos que as pessoas voltaram a lavar a rua. Acabaram desmobilizando quem tinha se mobilizado por uma coisa boa”, diz Maria Cecília Wey de Brito, da Aliança pela Água.
Ela compara com a Austrália, que sofreu anos de seca e mesmo depois que a situação foi estabilizada, manteve incentivos para redução do consumo. “Eles fizeram mudanças estruturais para conter o gasto mesmo se as pessoas não estivessem mais sendo econômicas. Houve subsídio para a compra de chuveiros ou máquinas de lavar roupa que usem menos água. Em vez de aprender com as lições da seca, parece que estamos desaprendendo”, afirma.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.