Adensamento populacional em corredores com transporte público, com a construção de prédios sem limite de altura, não vingou; número de projetos aprovados pelas regras antigas ainda é alto e construtoras analisam vantagens de comércio no térreo
Adriana Ferraz, O Estado de S. Paulo
Dois anos após a sanção do Plano Diretor, a principal diretriz definida pela lei ainda segue no papel. O adensamento populacional em ruas e avenidas dotadas de transporte público, a partir da construção de edifícios sem limite de altura, com comércio no térreo e somente uma garagem por unidade, ainda não emplacou. A demora tem nome e sobrenome: crise econômica.
A exceção está em um pequeno trecho da zona oeste de São Paulo. Na valorizada Vila Madalena, nos arredores da estação de metrô, a estagnação do mercado passa longe. De junho de 2014 para cá, dezenas de sobrados já foram demolidos para a construção de espigões com mais de 20 andares – antes do plano, o máximo permitido no bairro eram oito andares.
Em algumas vias da região central, como a Avenida São Luís, ou a Rua Marquês de Itu, os “efeitos do plano” podem ser percebidos, mas em uma escala bem menor do que a prevista tanto pela gestão Fernando Haddad (PT) como pelo setor imobiliário – na época, falava-se que a transformação da cidade começaria em dois ou três anos. Em ambos os endereços, há prédios em obras que incorporam parte dos padrões estabelecidos na legislação, como fachada ativa (de uso não residencial, aberto à população).
“No geral, o novo modelo de construção ainda não vingou. Após a sanção do plano, a crise econômica se intensificou, reduzindo o número de lançamentos. Para piorar, a cidade já tinha um estoque de projetos aprovados muito alto”, diz o empresário e ex-presidente do sindicato da habitação (Secovi) Cláudio Bernardes.
Para o diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), Reinaldo Fincatti, o empresário está fazendo as contas hoje para avaliar se vale ou não a pena usar alguns incentivos dados pelo plano, como viabilizar lojas e serviços nos térreos de prédios residenciais. Pela lei, não é computável, até o limite de 50%, a área do lote destinada à implementação deste instrumento.
“Nem todo lugar da cidade tem demanda para fachada ativa. Investir em imóvel comercial neste momento da economia só compensa em vias movimentadas. Se todo mundo fizer vai haver uma superoferta, e aí o incentivo vira prejuízo”, diz.
Na tentativa de alavancar a verticalização prevista, a nova Lei de Zoneamento, aprovada em fevereiro, flexibilizou algumas normas do plano. Liberou, por exemplo, duas vagas de garagem e imóveis maiores nos eixos. “Isso pode ajudar a reverter a situação, mas não tão breve”, completa Bernardes.
Parques
Além de padrões urbanísticos, faltam sair do papel outros mecanismos, como o incentivo à proteção das áreas verdes. No plano, ficou definido que a Prefeitura criaria um fundo municipal para novos parques e que também pagaria por serviços ambientais prestados pela população. Dois anos depois, ambos os instrumentos aguardam regulamentação.
O primeiro prevê que qualquer pessoa, física ou jurídica, pode colaborar com a desapropriação de terrenos para parques, em uma espécie de “vaquinha ambiental”. O segundo, que proprietários de terras preservadas fossem remunerados.
A Prefeitura reconhece a demora nesses dois instrumentos, mas ressalta que muito foi feito pela administração desde 2014. Em entrevista ao Estado, o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, elencou mais de 20 medidas adotadas para viabilizar o plano, entre elaboração de projetos de lei relacionados, publicação de decretos de regulamentação e ampliação da participação social.
“Esse plano tem prazo de 16 anos. Os efeitos não são de fato imediatos, mas estamos avançando em um ritmo que considero bom. Há coisas atrasadas, outras adiantadas. A crise paralisou o mercado imobiliário, isso é fato, mas o Plano Diretor não se resume apenas a isso”, disse.
Para a secretária municipal de Licenciamento, Paula Motta Lara, toda mudança de legislação demanda um tempo de adaptação, que pode ser maior ou menor de acordo com as condições econômicas. “Aos poucos, os novos projetos estão absorvendo essas alterações. Acredito que até meados do ano que vem o número de processos sob as novas regras vai aumentar.”
Relator do projeto de lei que resultou no Plano Diretor, o vereador Nabil Bonduki (PT) avalia que diretrizes já foram incorporadas. Para ele, apesar da crise, os empresários do setor estão encaminhando seus projetos de acordo com padrões definidos pelo plano. “A Prefeitura e a população também mudaram de comportamento, especialmente em relação à redução do uso do carro”, diz o petista, referindo-se ao aumento das ciclovias e da liberação dos carros compartilhados, como o Uber.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.