EMILIO SANT'ANNA – FOLHA DE S. PAULO
Com resultados contestados e dois anos após a sua implantação no centro de São Paulo, o programa anticrack da gestão Fernando Haddad (PT) será levado para outras seis regiões da cidade até o final deste ano –quando se encerra o atual mandato do prefeito, que tentará a reeleição.
O programa é baseado na redução de danos, em que o dependente de drogas ganha vaga em hotéis e é incentivado a diminuir gradativamente o uso, sem internação e com oferta de emprego e renda. Atualmente, cerca de 500 pessoas fazem parte da ação na região da cracolândia, no centro de SP. Outras 216 estão em uma fila de pré-cadastro.
O objetivo da administração municipal é chegar ao fim do ano com mil dependentes. Novas vagas em hotéis para 150 atuais beneficiários serão criadas nas regiões da Consolação e do Parque Dom Pedro, afastando-os da cracolândia, na região da Luz.
Além destes, outros 70 beneficiários serão incluídos na Vila Leopoldina (oeste), 70 na Vila Mariana/Ipiranga (sul), 70 em M'Boi Mirim (sul) e 60 em Cidade Tiradentes (leste). As frentes de trabalho também poderão se deslocar. O programa já tem uma unidade fora da região da Luz, na Freguesia do Ó, zona norte.
Os locais dos prédios que irão abrigar os usuários de drogas que fazem parte do programa ainda não estão definidos. Consolação e Parque Dom Pedro irão abrigar parte dos usuários que hoje estão na região da Luz. Nos demais bairros serão criadas vagas para os usuários locais que hoje não fazem parte do Braços Abertos, o programa anticrack de Haddad.
Desde sua criação, passaram pelo programa cerca de mil pessoas. A taxa de desistência, até março deste ano, era de 46%. Moradores e comerciantes da região dizem se incomodar com os usuários perambulando pelas ruas. Pesquisa Datafolha em julho apontou que dois em cada três paulistanos são a favor da iniciativa, mas só 21% acreditam que é muito eficiente para recuperar dependentes.
"Isso [a pesquisa] nos deu segurança para ultrapassar a fronteira do bairro da Luz e atingir outros grupos de consumidores de drogas espalhados por diversos pontos da cidade", disse Haddad à Folha.
A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) tem visão e projeto diferentes na área. O Estado recorre a tratamentos que incluem internações. Nessas novas regiões do programa anticrack, a prefeitura deve encontrar maior resistência na Vila Leopoldina.
"Pelo que a gente vê no centro, o Braços Abertos tem problemas e não podemos chamar de êxito. Mas estamos abertos ao diálogo", diz o engenheiro Carlos Gilardino, 62, um dos fundadores do Fórum de Moradores do bairro.
"Vamos dialogar", afirma o secretário municipal da Segurança Urbana, Benedito Domingos Mariano. "A própria comunidade acaba ganhando quando se dá oportunidade a essas pessoas", diz Mariano, que cita a queda no número de assaltos na região da cracolândia, no centro de SP.
Além de expandir o programa, o objetivo da prefeitura é tirar do meio da aglomeração dos viciados os últimos hotéis que hospedam os beneficiários. Segundo Mariano, quatro hotéis "perto do fluxo [de viciados]" serão descredenciados até setembro.
Fluxo é como ficou conhecido o quarteirão da alameda Dino Bueno, na Luz, onde se concentra o maior consumo da droga. Durante o dia são cerca de 250 usuários e traficantes. À noite, até 500.
Lonas tentam impedir que se registre o comércio da droga. Apesar das ações da prefeitura e do Estado no local, que já chegou a reunir 1.500 pessoas, o tráfico persiste. Como a Folha mostrou em junho, ao menos 100 kg de crack são vendidos mensalmente nessa região da cidade.
VILA LEOPOLDINA
De um lado da avenida, um policial dá uma dura em um caminhoneiro que estava prestes a despejar entulho na calçada –já coberta de restos de materiais de construção. De outro, o que se acumula são pessoas, barracas improvisadas e muita sujeira.
É um dos pontos de uso de crack, na avenida Professor Ariovaldo da Silva, Vila Leopoldina, bairro de classe média da zona oeste paulistana, e um dos lugares de maior interesse do mercado imobiliário nos últimos anos.
É também uma das seis regiões da cidade que deve receber o programa anticrack Braços Abertos –baseado nas técnicas de redução de danos nas quais o dependente é incentivado a diminuir o uso, sem internação e com oferta de emprego e renda.
A expectativa da prefeitura é que 70 usuários de crack sejam atendidos pela iniciativa. A medida parece dividir a opinião dos moradores. "Ainda não fomos comunicados, mas essa é uma conversa que a gente já ouviu antes", afirma o engenheiro mecânico Carlos Gilardino, 62, um dos fundadores do Fórum de Moradores da Vila Leopoldina.
No bairro, a presença de moradores de rua e usuários de drogas já causou controvérsia. No ano passado, um grupo de moradores se juntou para pagar R$ 40 mil a uma empresa de segurança privada para manter os viciados afastados. Na ocasião, a Associação Vila Leopoldina afirmou que dependentes haviam tomado o lugar dos sem-teto.
DISTRIBUIÇÃO
Atualmente, na Vila Leopoldina, há também um trailer de atendimento do programa federal Crack, É Possível Vencer. Os usuários de crack se distribuem por alguns pontos do bairro: em frente à entrada do Ceagesp, no canteiro central da avenida Dr. Gastão Vidigal; na avenida Manuel Bandeira; na rua Avelino Chaves e nas avenidas Professor Ariovaldo da Silva e José César de Oliveira.
Nessas duas últimas, a aglomeração vem se tornando cada vez maior, dizem os moradores. O motivo: novos empreendimentos, em construção e já prontos, que empurram os usuários para os locais onde ainda imperam os antigos galpões industriais.
É o caso da Professor Ariovaldo da Silva. Nos pouco mais de 200 metros da via há de tudo: carcaças de carro queimadas, restos de material de construção, sujeira, usuários de crack e tráfico. "Só está aumentando. Se tiver pouca gente é por causa do frio", diz o frentista Antonio Eudes, 46, que trabalha há quase dez anos na região.
Ele está parcialmente certo. Apesar do frio, às 15h de sexta-feira (29), a via está cheia. Um homem de meia idade, visivelmente embriagado, dança no meio do asfalto, um rapaz o ameaça com uma barra de ferro, uma jovem vestida com um moletom sujo acende seu cachimbo.
Na esquina, dois homens observam a movimentação. Parecem atentos a estranhos. Tudo isso ocorre aos olhos de um grupo onde há três crianças, sentadas em frente ao único ponto de comércio da avenida, um pequeno bar.
TRABALHO
À seu modo, o frentista que nunca ouviu falar do programa Braços Abertos apoia algo parecido com a iniciativa de redução de danos. "O ideal seria ter um lugar em que eles pudessem trabalhar e ganhar nem que fosse um salário mínimo, para se ocuparem."
A menos de cem metros da avenida, outro ponto de consumo de crack durante o dia: na rua Dr. Avelino Chaves, em frente a um conjunto habitacional. "Não tem muito o que fazer, eles ficam por aí durante o dia, fumando, e ninguém quer saber de trabalhar", diz Oliveiro Luiz, 75, comerciante, há 15 anos no bairro.
Do outro lado da Gastão Vidigal, o fluxo de usuários já foi maior, mas ainda se mantém. Ao lado de duas barracas, uma pichação: "Conselho Tutelar, aqui há crianças abandonadas".
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.