Levantamento do ‘Estado’ aponta 15 DPs com maior avanço desses crimes; na contramão, áreas com queda de casos são nobres ou centrais.
Bruno Ribeiro e Felipe Resk – O Estado de S. Paulo
O aumento de 8,7% nos casos de roubo na cidade de São Paulo, divulgado na semana passada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP), tem divisão territorial. Todos os 15 distritos policiais responsáveis pelas maiores altas do crime são de bairros da periferia, enquanto as delegacias que tiveram recuo ficam em áreas mais nobres ou no centro expandido. Para especialistas, o comportamento está associado à má distribuição do efetivo policial. O governo do Estado alega não existir variação significativa por regiões.
Para o levantamento, o Estado comparou o índice de roubo em junho de 2016 com o do mesmo mês do ano passado. Dos 12.873 roubos notificados na capital, 103 foram no 65.º DP (Artur Alvim), na zona leste. A delegacia é campeã de aumento, com 194,2% casos a mais. Em 2015, o mesmo distrito havia registrado 35 ocorrências – quase três vezes menos. A lista segue com Jardim Mirna (180,3%), Parque São Jorge (124,1%), Vila Carrão (117,2%) e São Mateus (86,2%).
Apesar do aumento no número total da cidade, individualmente 39 delegacias registraram queda nas notificações. A maior redução foi de 42,5%, no 27.º DP (Campo Belo), localizado em região nobre da zona sul. Entre as dez melhores colocadas aparecem ainda Alto da Mooca (42,4% de queda), Consolação (40,1%), Campo Grande (38%), Brás (36%), Itaim-Bibi (29,8%) e Vila Mariana (27,2%). Todos ficam em áreas de classe média e alta ou no centro expandido.
Especialista em segurança, o coronel José Vicente da Silva afirma que o resultado é reflexo da má distribuição de efetivo policial. Em junho, o Estado revelou que bairros com mais violência têm menos policiais militares para cuidar de cada crime. “Os recursos devem ser correspondentes à demanda, mas não é o que acontece”, diz. Segundo o especialista, também há falhas de planejamento, que deveria levar em conta ruas e horários em que os crimes acontecem. “Quando se percebe um aumento de 20%, já deve acender a luz amarela. Não pode deixar que os casos tripliquem.”
Para Vicente, a crise econômica não justifica o aumento dos roubos. “A polícia foi criada para cuidar dos efeitos, e não das causas. Culpar a crise é inaceitável para a sociedade.” Outro problema, segundo o especialista, é que a rotatividade de policiais em delegacias e batalhões de áreas distantes, em geral, é alta, dificultando um trabalho preventivo continuado.
A cientista social Camila Caldeira Nunes Dias, da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que o aumento de roubos na periferia é resultado de uma “oferta diferencial de segurança”. “Claramente, o Estado tem uma preocupação muito maior em manter a segurança em bairros de classe média e alta”, diz. “A atuação em bairros periféricos é muito marcada pela repressão. Essa população não é vista como pessoas que devem ser protegidas.”
Delegacias
Às 15 horas de quarta-feira, 3, a vendedora Lia Fernandes, de 49 anos, saía do 65.º DP (Artur Alvim), recordista de alta, com um boletim de ocorrência nas mãos. Ela foi mais uma vítima de roubo na região. “Tenho medo de sair na rua, mas preciso ir para o emprego.”
Lia estava a caminho do trabalho quando teve o celular roubado por dois motoqueiros. Policiais da delegacia informaram que o objeto é o principal alvo dos criminosos, juntamente com documentos. Segundo eles, as ocorrências subiram na saída das Estações Artur Alvim e Itaquera, do Metrô, mas não há policiamento suficiente para inibir o crime nos locais. Os policiais, que não querem ser identificados, também dizem que aumentaram os registros de BO para retirar segunda via de documento sem precisar pagar.
Já no 27.º DP (Campo Belo), a delegacia com o melhor resultado em junho, os policiais passaram a fazer ronda em ruas com maior número de registros de roubo, além de pontos de venda de drogas. Eles também abordam suspeitos com celular à mostra, o principal alvo do crime, para consultar se o objeto é roubado. “O segredo aqui é muito trabalho com ênfase nos crimes patrimoniais, que estão intimamente ligados às drogas”, diz o delegado assistente Augusto César Bicego.
Estado
Procurada, a SSP afirmou em nota que a análise é “incorreta”. “O levantamento feito pela Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP) mostra que houve aumento e redução de ocorrências destes indicadores criminais em distritos de todas as regiões da capital.”
A secretaria também negou problemas na distribuição do patrulhamento. “O setor de inteligência da PM acompanha semanalmente os dados estatísticos para elaborar os planos de policiamento, que levam em consideração o tipo de crime, quantidade de ocorrências e modus operandi criminoso.”
Pastor teve três carros roubados desde outubro em SP
Desde outubro, o pastor Valter Eduardo Vaelatti, de 49 anos, teve três carros roubados em São Mateus, na zona leste. Todos os assaltos foram à mão armada e durante o dia. Cansado, resolveu usar uma nova estratégia: andar em uma minivan Zafira, ano 2002. “Eu comprava o carro para os outros pegarem. Agora, eu tenho um mais velhinho e ando tranquilo.”
Na primeira ocorrência, estavam a mulher do pastor e a filha de 8 anos. Perseguido por um policial à paisana, o assaltante acabou batendo em um muro e foi preso. “Elas ficaram traumatizadas. Quando um ambulante bate no vidro, já gritam assustadas.” Nos casos seguintes, em janeiro e março, estava parado em esquinas das Avenidas Sapopemba e Aricanduva. “Eu nunca havia sido assaltado antes.”
Os roubos de veículos cresceram 14,3% em junho, com 2.968 casos. Em nota, a SSP diz que organiza operações e só policiais da 8.ª Seccional (São Mateus) prenderam dez pessoas por receptação e apreenderam mais de 2 mil peças neste mês.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.