1 em cada 6 alunos deixa escola pública integral; TCE vê inadequação

Segundo análise do Tribunal de Contas do Estado, exigências e dinâmicas do programa levam alunos a voltar para os colégios tradicionais, de meio período

Luiz Fernando Toledo, O Estado de S. Paulo

Um em cada seis estudantes deixa as escolas de tempo integral do governo estadual, vitrine da gestão Geraldo Alckmin (PSDB), rumo às unidades comuns, de tempo parcial. Dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontam que o “abandono” atingiu, em 2015, 17% dos alunos desse modelo de ensino, que tem currículo diferenciado e 8 horas de aulas diárias. Um dos motivos seria a “inadaptação às exigências e dinâmicas”. Já o Estado diz que a desistência vem diminuindo ano a ano – era de 20% em 2012 – e aponta que a amostragem do TCE, aleatória, pode ter resultados diferentes, dependendo das unidades.

O Projeto Educação Integral (PEI) foi adotado pelo Estado em 2012 e é uma nova versão de outro programa semelhante, existente desde 2006. Há, hoje, 532 unidades – das 5,1 mil em todo o Estado – que seguem esse modelo. Nele, alunos têm aulas tradicionais no período da manhã e disciplinas optativas à tarde.

A ideia é que os alunos estejam inseridos em um modelo pedagógico diferente, com projeto de vida individual e atividades extracurriculares. Além disso, professores têm dedicação integral às unidades. Esses colégios ainda costumam ter melhores desempenhos no Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado (Idesp).

Para chegar à estimativa de transferências, a auditoria do TCE selecionou, aleatoriamente, 50 escolas do PEI que participam do programa desde o início, em 2012. Dos 15,1 mil alunos matriculados, 2,5 mil (17,1%) mudaram de escola no ano passado. O levantamento, de mais de 200 páginas, foi obtido com exclusividade pelo Estado. Leia análise de especialista sobre o tema.

Exemplo

Uma das estudantes que ilustram a situação é Júlia Helena, de 17 anos, aluna do 3.º ano do ensino médio na Escola Estadual Godofredo Furtado, em Pinheiros, na zona oeste da capital. No ano passado, ela cursou um semestre na Escola Estadual Alves Cruz, de tempo integral, mas não acompanhou as longas jornadas diárias de estudo. “Tinha de ficar muito mais tempo e eu queria começar a procurar emprego, não dava conta”, disse.

A escola em que ela estuda hoje é de tempo parcial. Uma das soluções apontadas pelo relatório do TCE para o problema é o oferecimento de bolsas. 

A diferença entre as unidades comuns e as de tempo integral também é abordada pelo TCE no relatório. Segundo o estudo, o custo médio anual de um aluno em uma PEI é de R$ 6.091, enquanto em uma escola regular é de R$ 4.540. 

Além disso, as escolas especiais recebem duas vezes mais visitas dos supervisores escolares – profissional responsável por auxiliar os professores em seus projetos pedagógicos – e também oferecem mais cursos de formação e aperfeiçoamento aos docentes em relação a outras escolas, segundo o levantamento.

Para o TCE, apesar de as unidades do PEI apresentarem bons resultados e terem adesão da comunidade escolar, há “indícios” de que a instalação delas “reflete negativamente sobre os resultados de aprendizagem logrados pelas unidades localizadas em suas imediações”.

A auditoria também chama a atenção para a distribuição espacial das unidades de ensino integral. Em uma amostragem com as 39 escolas pesquisadas na capital paulista, o órgão constatou que 29 delas (75%) ficam em regiões cuja renda média familiar é superior a R$ 1,6 mil, e apenas dez escolas estão em distritos mais pobres, como Capão Redondo e Itaim Paulista.

Ao mudar de escola, Júlia também notou diferenças significativas entre a unidade de tempo integral onde estudava e o colégio regular para o qual foi transferida. “Lá os professores pareciam mais interessados, a merenda era melhor e a infraestrutura da escola também”, diz.

Na Godofredo Furtado, mesmo estando próxima da Alves Cruz – cerca de 1 km de distância -, a qualidade da infraestrutura é diferente, segundo os estudantes. “A biblioteca está fechada há muito tempo porque não colocam ninguém no lugar da bibliotecária”, reclama a estudante Emily Silva, de 17 anos, aluna do 3.º ano do ensino médio. “A infraestrutura também é ruim. Não tem cadeira para comer no intervalo e falta papel higiênico no banheiro.”

Para a gerente executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna, Simone André, a escola de tempo integral ideal precisa se adaptar também às necessidades dos alunos. “É preciso dar margem para fazer um percurso diferenciado. Se o aluno, por exemplo, precisar trabalhar, pode começar a fazer um estágio remunerado e isso ser incluído em seu currículo. A escola também deve oferecer opções para o aluno se profissionalizar e ver sentido em ficar lá por tantas horas”, diz. 

Em todo o País, o Plano Nacional de Educação prevê “oferecer tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica”, em 2024. Em 2014, segundo dados do Todos pela Educação, 15,7% dos estudantes estudavam em período estendido.

Leia a íntegra da nota enviada pela Secretaria Estadual da Educação:

A Escola Estadual Godofredo Furtado tem trabalhado insistentemente para que os casos de vandalismo sejam extintos. Porém, quebra de objetos e depredação da pintura da escola são frequentes. Apenas neste ano, a escola recebeu duas pinturas – nos meses de fevereiro e julho. Atos de vandalismo também eram cometidos com os papéis higiênicos disponíveis nos banheiros que frequentemente entupiam os banheiros, porém não há falta do material na escola.

No que se refere à merenda, a diferença do cardápio das escolas estaduais regulares das integrais é que o alunos que permanecem oito horas na escola são oferecidas três refeições diárias, enquanto nas regulares, onde o aluno permanece cinco horas em média, há uma.

Por fim, a professora que atua na sala de leitura está afastada temporariamente, mas os alunos continuam tendo acesso ao espaço.
 

ENTREVISTA: ‘Transferências caíram de 19% para 11%’

Valéria Souza, coordenadora de gestão da Educação Básica de SP

Como evitar saídas do projeto?

O programa é pensado para atender o aluno na sua integralidade. A perspectiva é que a escola possa fazer esse aluno superar as suas dificuldades, as dificuldades da sua família e continuar querendo estudar. Pode não ser em uma escola de ensino integral. Pode ser que o próprio aluno, no seu projeto de vida, perceba que ele precisa de uma trajetória profissional para depois estudar, por exemplo.

O que a equipe escolar tem de fazer é ajudar a tomar uma boa decisão na sua vida. Há muitos alunos que têm família muito vulnerável, mas continuam mantendo a dedicação no ensino integral. Importante é criar autonomia para que eles possam tomar decisões e desenvolver seu projeto de vida.

Vocês discordam da metodologia do TCE no relatório?

Não. A pesquisa representa uma amostra do programa. Depende de onde você pega essa amostra aleatória. Mas, se você pegar os dados de 2013 a 2016, nós tínhamos, no primeiro ano de implementação do programa, uma transferência de 19%. Em 2016, ela caiu para 11%. 
Justamente por causa dessa política mais focada, de acompanhar o aluno, de ajudá-lo a continuar na escola. Existe uma acomodação natural na rede, que existe para todo o sistema estadual: 300 mil alunos nossos, de alguma maneira, são transferidos durante o ano letivo.

O estudo aponta que o governo oferece mais recursos para as escolas em tempo integral. Como evitar a desigualdade?

O próprio relatório fala em “indícios”. O que aponta é a possibilidade de professores se transferirem das escolas da região para escolas integrais. Mas não dá para isolar isso, o próprio relatório é bem cuidadoso em usar a palavra “indícios”. /COLABOROU FABIO LEITE

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
 

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