Vereador em São Paulo dá mais verba a campo de várzea que à Saúde

ARTUR RODRIGUES E GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO

Campos de futebol com grama sintética e refletores ilustram as páginas do Facebook de vários vereadores de São Paulo. Ímã de votos, os equipamentos esportivos valem mais do que segurar crianças no colo e distribuir santinhos para tentar a vitórias nas urnas –pelo menos para 39 políticos que passaram pela Câmara de Vereadores de 2013 a 2015.

Juntos, eles destinaram a reformas em campos de futebol cerca de R$ 43,9 milhões em emendas parlamentares, cifra superior às voltadas às áreas de Saúde e Educação.

No último mandato, os vereadores alocaram R$ 37,1 milhões nos chamados CDCs (Clubes da Comunidade), na maioria controlados por times de várzea. Mais R$ 6,8 milhões foram destinados a reformas de campos fora dos clubes, em locais como praças.

A constatação é resultado de uma análise feita pela Folha nas quase 1.800 emendas parlamentares ao Orçamento dos últimos três anos. O gasto, suficiente para construir quase nove creches, representa 15 % dos R$ 291 milhões em emendas nos últimos três anos.

Em Saúde, foram R$ 35,4 milhões (12%). Em Educação, R$ 3,1 milhões (1%).

Na maioria das vezes, a reforma consiste na colocação de grama sintética, cujo valor pode ultrapassar R$ 1 milhão por campo. Os gramados costumam ser inaugurados em eventos na presença dos vereadores, com festas.

Os CDCs funcionam em terrenos municipais, mas são controlados por organizações de bairro. Em muitos locais, há cobrança de mensalidades para uso das quadras, o que é permitido por lei desde que o dinheiro seja usado para melhorias nos locais.

O vereador da atual legislatura que mais gastou com clubes de várzea foi Antonio Goulart (PSD), eleito deputado federal em 2014 e bastante identificado com o Corinthians. A reportagem localizou R$ 3,7 milhões em emendas dele ligadas ao assunto.

Só para o CDC Vila Friburgo (zona sul), por exemplo, ele destinou emendas que somam cerca de R$ 820 mil.

"Fiz uma revolução nos campos de várzea de São Paulo. Antigamente, as pessoas jogavam bola só na terra. Hoje, alguns clubes viraram estádios", disse o deputado.

Questionado se a reforma de centros desportivos seria, de fato, a prioridade nos bairros da periferia, disse que "se pudesse, faria emendas para colocar mais ginecologista e pediatra" nos centros médicos municipais.

Instalado há 59 anos na região de São Miguel Paulista (zona leste), o CDC João Cavalcante Leal recebeu, em 2015, emendas de dois vereadores do PT. Numa delas, apresentada por Senival Moura no ano passado, a prefeitura liberou R$ 1 milhão para colocar grama sintética, reformar vestiários e trocar os alambrados do centro. Outra emenda, de Jair Tatto, previa R$ 300 mil para melhorias.

"Aqui era um terrão, mesmo assim a gente revelou jogadores que poderiam estar nas drogas", disse Jadiel, 50, conhecido como Ninho, professor da escolinha de futebol. O campo, porém, tem sinais de desperdício de dinheiro público. Refletores instalados ali em 2009 nunca funcionaram. "O pessoal da prefeitura veio e testou, mas nunca acenderam", disse.

LÍDER DO GOVERNO TEM MAIOR VALOR DE EMENDAS

A gestão Fernando Haddad afirma não interferir nas escolhas dos vereadores. Segundo a prefeitura, ações de zeladoria como poda de árvores, recapeamento e tapa-buraco têm liberação mais rápida devido à existência de contratos para realizar esses serviços. Para o caso das reformas dos campos é necessário licitação.

Nem todas as emendas são pagas, já que os vereadores podem perder o valor se não houver execução no mesmo ano.

O vereador com mais emendas aprovadas foi Arselino Tatto (PT), líder do governo na Câmara, com um total de R$ 7 milhões. Gilberto Natalini (PV), que faz oposição a Haddad, teve R$ 2,2 milhões, por exemplo.
A Secretaria de Relações Governamentais nega que haja critério político na escolha das emendas.

"Como a licitação pública tem várias etapas legais, muitas vezes não ocorre tempo hábil para liberação da emenda no mesmo ano, e o parlamentar acaba perdendo a verba indicada. Essa diferença na indicação das emendas provoca a diferença na execução das emendas entre os 55 vereadores, representando uma questão técnica e não politica", afirma a prefeitura, em nota.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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