Levantamento mostra que, desde abril, há mais de 50 pagamentos a fornecedores fora da ordem cronológica, como prevê a Lei de Licitações; empresa também fez acordos para prorrogar acerto de dívidas. Secretário admite mudanças, mas nega falta de recursos
Fabio Leite – O Estado de S. Paulo
Em meio à queda dos repasses feitos pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), redução do número de passageiros transportados e paralisações de obras, a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) começou a priorizar pagamentos a fornecedores para evitar despejos dos canteiros e a fazer acordos para prorrogar a quitação de dívidas milionárias. Uma delas é no valor de R$ 41 milhões, com o consórcio contratado para “modernizar” 98 trens da Linha 1-Azul.
Levantamento do Estado no Diário Oficial encontrou comunicados do Metrô publicados desde abril com indicações de mais de 50 pagamentos a fornecedores fora da ordem cronológica, como prevê a Lei de Licitações. A maioria se refere a contratos de ocupação temporária de terrenos para a construção de linhas ou estações e de aluguel de imóveis usados pela companhia. A prática é prevista em lei, desde que haja “relevantes razões de interesse público” e “mediante prévia justificativa da autoridade competente”.
Em julho, por exemplo, a companhia publicou comunicado dizendo que pagaria a Lacônica Brasil Participações fora da ordem cronológica pelo uso de um terreno nas obras do pátio de manobras da Linha 17-Ouro (monotrilho), na zona sul da capital, “em função do recebimento parcial dos recursos financeiros da Secretaria da Fazenda, insuficientes para quitação dos compromissos”. A Lacônia chegou a mover uma ação judicial de despejo contra o Metrô em março, no valor de R$ 951 mil, por falta de pagamento, mas o processo foi extinto em junho, após acordo. O contrato foi assinado em dezembro de 2013 no valor de R$ 1,8 milhão – aluguel de R$ 77 mil por mês –, com prazo de dois anos, mas acabou sendo prorrogado até novembro de 2018 por atrasos e paralisação parcial das obras da Linha 17 (Congonhas-Morumbi).
O presidente da Comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Adib Kassouf Sad<, explica que a lei exige que órgãos e empresas públicos paguem seus fornecedores em ordem cronológica para evitar que haja vantagens a determinadas empresas nas transações. “A inversão da ordem cronológica dos pagamentos é a exceção da exceção. Só é admitida em casos de extrema relevância para o interesse público e a justificativa precisa ser comprovada e fiscalizada pelos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas do Estado”, diz.
Segundo o especialista, a dificuldade nos pagamentos de fornecedores é reflexo da crise econômica do País, que tem afetado a arrecadação dos Estados e comprometido os investimentos. “A crise enxugou os recursos da administração pública e o primeiro setor a sofrer cortes é o de investimento. Quando você corta recursos e paralisa obras acaba sendo obrigado a priorizar pagamentos.”
Dados divulgados pelo Metrô mostram que os repasses do governo Alckmin para a companhia entre janeiro e agosto deste ano tiveram queda real de 32,4% na comparação com igual período em 2015, de R$ 2 bilhões para R$ 1,4 bilhão. Além disso, a empresa perdeu até julho cerca de 300 mil passageiros por dia, afetando a receita tarifária – perda estimada em R$ 60 milhões no ano.
Sem crise
O secretário de Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissioni, disse que teve de “privilegiar alguns pagamentos menores” relativos a desapropriações para não afetar as obras, mas negou que tenha faltado recursos do governo de São Paulo, como o Metrô informou em comunicado. “É evidente que existe uma crise, mas o governo está mantendo os investimentos.”
O secretário disse que, além da dívida de R$ 41 milhões com um consórcio na Linha 1, repactuou um débito com outro fornecedor da Linha 3-Vermelha, mas o valor não foi informado. Em julho, o Metrô também lançou programa de demissão voluntária de funcionários para reduzir a folha salarial.
Canteiro de obras
O Metrô de São Paulo informou, em nota, que os pagamentos fora da ordem cronológica estão de acordo com a lei e foram feitos para “preservar os canteiros de obras das linhas em construção ou expansão e evitar qualquer possibilidade de desmobilização destes e de prejuízo aos empreendimentos”.
Segundo a estatal, a redução dos repasses do governo “é reflexo direto do status ou estágio de andamento das obras”, como as paralisações das obras das Linhas 4 e 17 e a fase de acabamento da Linha 5, que demanda menos dinheiro. “Quando analisados períodos anteriores, registramos aumentos. Entre janeiro e agosto de 2013/2014, os repasses cresceram 46%, de R$ 1,9 bilhão para R$ 2,8 bilhões.”
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.