Professor Paulo Saldiva afirma que medida contribuiu para reduzir em 21% o número de mortos no trânsito de SP e critica discussão “superficial” sobre o tema na campanha eleitoral
Por Airton Goes, da Rede Nossa São Paulo
Em entrevista ao portal da Rede Nossa São Paulo, o professor e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Saldiva defende a manutenção da política de redução de velocidade nas vias da cidade, como uma das “vacinas” importantes para evitar a “epidemia” de mortes por acidentes de trânsito.
Ele aponta que esse índice caiu em 21% no primeiro semestre, comparado com o mesmo período do ano passado. “Até o final de 2016, espera-se que cerca de 300 pessoas deixem de morrer no trânsito da cidade”, destaca.
Segundo Saldiva, nenhuma outra política pública poderia reduzir de forma tão importante o número de mortes no trânsito da cidade.
O professor de patologia considera que São Paulo começa a trilhar um caminho virtuoso e se diz preocupado com a discussão “superficial” do tema na campanha eleitoral.
Estudioso do impacto da poluição do ar sobre a saúde da população, ele avalia que a inspeção veicular na cidade não deveria ter acabado e sim ampliada para, no mínimo, a Região Metropolitana de São Paulo.
Portal da Rede Nossa São Paulo – Qual sua avaliação sobre a redução da velocidade nas ruas e avenidas de São Paulo?
Paulo Saldiva – A mortalidade por acidente no trânsito tem proporções epidêmicas no Brasil. São cerca de 22 mortes por 100 mil habitantes. Em São Paulo esse indicador está mais próximo de 10 mortes por 100 mil habitantes, ou seja, pouco mais de mil mortos por ano. Isso sem falar nas pessoas que ficam com sequelas importantes e acabam morrendo depois.
O tráfego nas ruas ficou tão violento, que as pessoas estão morrendo na calçada. Volta e meia um motorista embriagado, invade a calçada.
Há várias medidas que funcionam como vacinas para evitar essa epidemia de mortes no trânsito e, seguramente, a redução de velocidade é uma delas.
Não há dúvida de que a redução de velocidade é algo positivo. Qual política pública poderia reduzir de forma tão importante o número de mortes? E isso ocorreu no mundo inteiro, não foi só aqui. Onde você reduziu a velocidade, caiu o número de mortos por acidentes de trânsito.
O senhor tem dados sobre mortes no trânsito que respaldam sua opinião?
No primeiro semestre deste ano, o número de mortes no trânsito em São Paulo caiu em 21%, comparado com o mesmo período do ano passado. Até o final deste ano, espera-se que cerca de 300 deixarão de morrer no trânsito da cidade. Essa redução já vinha ocorrendo desde 2015, com a diminuição da velocidade, a Lei Seca e a melhora da sinalização.
São Paulo começa a trilhar um caminho virtuoso. Por isso, vejo com muita preocupação essa discussão ser tratada de forma tão superficial na campanha eleitoral. Não estamos tratando de algo simples. Entretanto, o que vemos são campanhas de marketing com pouca profundidade. Procura-se apenas o que dá mais voto e não o que é melhor para os moradores da cidade.
Qual o impacto da poluição do ar na saúde dos paulistanos? Quantos paulistanos morrem por ano em função de problemas respiratórios ou doenças causadas pela poluição do ar?
A estimativa é que cerca de 4.500 pessoas morrem anualmente na cidade de São Paulo em razão da poluição do ar. Em toda a Região Metropolitana esse número está próximo de 8 mil. O impacto maior são nas doenças cardiovasculares.
A comparação que eu faço é com um indivíduo que fuma e, por isso, inala substâncias prejudiciais à saúde. Acontece que os fumantes representam atualmente apenas 20% da população, enquanto 100% das pessoas respiram o ar poluído. O fumante pode deixar de fumar, mas não é possível evitar individualmente a poluição. Para isso, precisamos de políticas públicas.
O que fazer para reduzir a poluição do ar em São Paulo e, consequentemente, o número de mortes causadas pelo problema?
O problema da poluição do ar é tão grave que saiu da área ambiental e foi para a área médica, pois já superou o número de mortes causadas por falta de saneamento.
É preciso reduzir a poluição e podemos utilizar vários meios para isso, como carros mais modernos, que poluem menos, combustíveis alternativos e maior fluidez no trânsito. Agora, a melhor indicação para combater o problema é o transporte coletivo de baixa emissão.
Outro problema são os carros não legalizados, que não pagam IPVA e não são fiscalizados. E ninguém fez nada mais consistente para retirar esses carros de circulação.
Além disso, no Brasil, os carros mais velhos – e que, portanto, poluem mais – pagam menos impostos, quando deveria ser o contrário. A cobrança de imposto mais alto dos carros velhos seria um mecanismo para reduzir a idade média da frota em circulação.
Qual sua avaliação sobre a inspeção veicular? Ela deveria ser adotada no Estado inteiro, como defende o atual prefeito, ou mesmo que tivesse vigência só na cidade, já seria positiva?
A inspeção veicular ambiental na cidade de São Paulo foi um avanço, mas não é a solução. Caso estivesse em vigor, ela evitaria 2% ou 3% das emissões. E precisamos reduzir as emissões em 50%.
Mesmo assim, avalio que a inspeção veicular na cidade não deveria ter acabado. O caminho deveria ter sido o oposto, ou seja, ampliar para a Região Metropolitana de São Paulo, no mínimo. Quando você coloca a inspeção em apenas uma cidade, o resultado é reduzido, pois a poluição do ar não respeita fronteiras.
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