A importância da agenda intermunicipal

É necessário estimular a cooperação entre prefeitos da mesma região. Nenhuma prefeitura resolverá sozinha todos os problemas coletivos sem ações com municípios vizinhos. 

Coluna de Fernando Luiz Abrucio – Folha de S. Paulo

As eleições municipais são muito mais importantes hoje do que no passado, porque os governos locais, desde 1988, assumiram várias funções essenciais à vida dos cidadãos. De um lado, tornaram-se o nível de governo mais importante na implementação das políticas sociais. De outro, os problemas urbanos agigantaram-se nas últimas décadas, e os municípios têm um papel estratégico em temas como mobilidade e organização espacial do desenvolvimento das cidades. Mas algumas questões dependem de decisões intermunicipais para serem equacionadas. Como resolver isso se os cidadãos votam para prefeito e não para um governante regional?

Inicialmente, vale destacar o sentido da agenda intermunicipal. Problemas como resíduos sólidos, mobilidade urbana e mesmo temas locais que são muito caros para municípios pobres, como a compra de merenda ou a formação de professores, tendem a ser mais bem geridos por governanças cooperativas entre municípios, tais quais os consórcios no Brasil.

Duas polêmicas recentes em São Paulo mostram a importância dessa agenda. A primeira foi a de tentativa de instalar a inspeção veicular apenas para veículos emplacados na capital.

Obviamente que ia dar errado, porque o problema é metropolitano, pois muitos carros que passam na cidade vem dos municípios vizinhos. Na mesma linha de dificuldades está a licitação de ônibus, voltada apenas para o transporte local, quando tecnicamente é necessário articular as diversas linhas desse tipo de transporte que se originam dos municípios fronteiriços.

Em termos de políticas públicas, o problema parece óbvio, mas há muitas dificuldades institucionais e políticas no meio do caminho. Primeiro porque há poucos incentivos para as prefeituras cooperarem entre si. Na maior parte dos setores, não há incentivos financeiros que favoreçam a opção pela intermunicipalidade. Além disso, os prefeitos de uma região podem ser adversários partidários, e eles poderão competir futuramente em eleições legislativas estaduais ou federais. E pactuar com um provável competidor não é uma escolha fácil. Para piorar, os órgãos de controle, principalmente os Tribunais de Contas, não conseguem enxergar além do federalismo triádico, União, Estados e municípios, criando dificuldades burocráticas para consórcios e outras formas cooperativas.

Mesmo com tais obstáculos, há boas experiências consorciadas pelo país afora. Os consórcios de Saúde são muito importantes em Estados como Minas Gerais. Em comparação à balbúrdia de outras metrópoles, a questão do transporte coletivo foi mais bem equacionada pelo Consórcio Metropolitano do Recife. Mas o caso paradigmático ainda é o do Consórcio do Grande ABC, que não só lidou melhor com problemas comuns de políticas públicas, como também congregou a sociedade num projeto regional de desenvolvimento. Sem isso, a crise na região seria muito maior hoje.

As inovações ainda são exceção e são necessários mais estímulos à cooperação intermunicipal, como fez a Lei dos Resíduos Sólidos. De todo modo, persiste a questão original do artigo: os eleitores votam para prefeito e o debate se concentra nos temas locais. É verdade que o prefeito tem hoje múltiplas e importantes atribuições, não sendo mais um Odorico Paraguaçu a construir cemitérios. Contudo, nenhuma prefeitura resolverá sozinha todos os problemas coletivos sem ações cooperativas com os municípios vizinhos. O eleitor não escolherá um super-homem municipal, mas um líder com responsabilidades locais que precisa se articular regionalmente.

Texto publicado na Folha de S. Paulo.

 

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