Ao todo, 125 grupos de observadores de rios, sob orientação da SOS Mata Atlântica, atuam em 9o corpos d’água que formam as bacias do Alto e Médio Tietê.
Por Giovana Girardi – O Estado de S. Paulo
“Olha só, a água está cristalina, agora tem até peixinho”, contava empolgada, na última segunda-feira, a pequena Isabelle Aguiar Coelhas, de 8 anos, diante do Córrego do Sapé, no bairro do Rio Pequeno (zona oeste da capital). Mas uma coisa preocupava o pequeno grupo de adultos que estava ao lado dela. No final de semana anterior, tinha começado a jorrar esgoto de uma galeria pluvial que deságua no córrego.. A suspeita é que se tratava de alguma ligação clandestina.
Logo a Sabesp foi acionada, e técnicos começaram a investigar o origem daquele esgoto, enquanto o grupo voltava a seus afazeres. Eles estavam ali cumprindo uma programação que já vem de quase dois anos. Todo mês, munidos de luvas, pequenos frascos e reagentes químicos, avaliam a qualidade da água do córrego.
São um dos 125 grupos que atuam em 98 corpos d’água das bacias do Alto e Médio Tietê e que fazem parte do projeto “Observando os Rios”, da SOS Mata Atlântica. São os dados que eles coletam que ajudam a traçar o perfil da qualidade do principal rio paulistano. O levantamento mais recente, lançado nesta quinta-feira, mostrou que 137 km do Tietê ainda tem qualidade ruim ou péssima. O Sapé deságua no Jaguaré, que vai para o Pinheiros e termina no Tietê.
Isabelle e a avó, Maria Ilza, faziam ginástica em uma praça à beira do córrego quando começaram a ver uma movimentação. “Pedi para vir experimentar e minha avó deixou”, conta a menina, que não se contentou em olhar. Logo quis pular na beira da água para ajudar. É ela e Cesar Pegorano, educador ambiental da SOS, que mensalmente pulam a mureta que canalizou o córrego e descem até o seu leito para coletar um pouco de água.
Maria Ilza lembra que isso há até bem pouco tempo isso não era possível. O córrego era praticamente coberto por uma favela. Barracos de palafita ficavam por cima dele e o esgoto corria solto, atingindo até 1,5 metro de altura.
A partir de 2009 começou um processo de urbanização e a partir de 2011 teve início a construção de rede para a coleta de esgoto, pronta no começo de 2014. Hoje os dejetos não chegam mais, peixinhos voltaram, e a comunidade, que só via ali um grande lixão, começou a olhar de novo para o córrego e a cuidar dele. Além do monitoramento da água, fazem mutirões para a limpeza de lixo que ainda tem gente que insiste em jogar no rio. E justamente por terem abraçado o Sapé que foram capazes de identificar a nova ameaça.
Foi mais ou menos na mesma época que a rede de esgoto começou a funcionar que a SOS convidou os moradores a participarem do monitoramento. Juntos analisam se tem cheiro e lixo ou peixes e outros organismos. Medem temperatura e os níveis de oxigênio, de coliformes fecais, de fosfato, nitrato, o nível de acidez da água e de turbidez.
Todo mundo participa, verificando as cores que mudam nos frasquinhos quando se mistura a água do córrego com algum dos reagentes. Pegorato aproveita cada análise para explicar o que os dados significam. “Hoje encontramos vários bichinhos vermelhinhos”, fala enquanto passa o pote com água na mão de um a um. “São uns verminhos, que funcionam como bioindicadores. A gente nunca tinha visto tantos aqui. Eles inspiram atenção, porque podem indicar alguma contaminação da água com matéria orgânica”, explica, já levantando suspeita sobre o vazamento que eles tinham acabado de detectar.
Na sequência eles medem a temperatura: 22°C. Bom, mas poderia ser melhor. “Quanto mais quente, menos oxigênio”, explica o educador. “O ideal é estar fresco, mas como não temos mata ciliar, acaba esquentando mesmo.”
Na primeira medição do local, feita a mais de dois anos, a análise indicou qualidade péssima. Na segunda-feira, mesmo com o vazamento, a nota do Sapé ficou no limite entre o regular e o bom. A comunidade ficou orgulhosa.
O “Observando os Rios” conta com grupos de vários pontos, das mais diversas condições sociais e ambientais, a fim de mapear as bacias como um topo. “Para trabalhar com gestão de água, de saneamento, é preciso ir além do rio principal e olhar os córregos, o solo. Tem de entender as condições do micro para poder atuar no macro. Precisamos de todos os riozinhos limpos para ter o Tietê limpo”, explica Gustavo Veronesi, coordenador do projeto.
Aula prática
Em outro canto da cidade, alunos do colégio Augusto Laranja, na zona sul de São Paulo, fazem o mesmo processo em uma realidade bem distinta, o córrego Água Espraiada, que corta a avenida Roberto Marinho e hoje fica embaixo das obras do monotrilho. Os alunos do ensino médio foram levados pela professora de Química Luciana Carvalho Serrasqueiro a testarem na prática os ensinamentos teóricos.
“A gente fala muito de pH em aula, o que é um meio ácido, básico ou neutro ou como os íons interferem na água e ali eles podem ver o que isso significa”, afirma Luciana.
Logo entraram na jogada os professores de biologia (para falar de doenças transmitidas pela água), de geografia (e o conceito de bacia hidrográfica) e de matemática (para analisar os dados) e virou um projeto interdisciplinar.
Os alunos admitem que sentiram um certo nojinho no começo e alguns não quiseram participar da atividade voluntária. Os que foram, porém, relatam que mudaram sua visão sobre o rio. Ao contrário do Sapé, o Espraiada passa quase despercebido por quem anda pela região. Cercado por muretas altas, não é visível por quem passa em alta velocidade pela avenida. Só o mau cheiro revela que tem um corpo d’água passando por ali.
“Confesso que bem sabia que tinha um rio aqui e moro logo do lado, no Brooklyn, e passo sempre aqui”, conta Thalita Carvalho Arcuschin, de 17 anos. Ele esteve no primeiro grupo de alunos a participar do projeto, mas já não ia há quase um ano porque agora está focada no vestibular. “A sensação é que ele parece ainda pior.”
Arthur Costa, também de 17 anos, revela que quando soube do projeto achou a ideia “meio nada a ver”. “Parecia uma realidade muito distante. Só depois fui entender a importância de cuidar do rio para a vida das pessoas.”
A turma já chegou a fazer protesto para a melhoria do córrego, mas em três anos não viu nenhuma melhora. A qualidade da água esteve sempre ruim.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
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