Aposentadorias disparam, e Polícia Civil de São Paulo encolhe

POR ROGÉRIO PAGNAN – FOLHA DE S. PAULO

Os pedidos de aposentadoria de policiais civis de São Paulo tiveram uma explosão de mais de 800% em dez anos e agravaram a falta de equipes para investigar crimes.

Neste ano, apenas até agosto, 1.260 escrivães, investigadores e delegados pediram desligamento, contra 139 solicitações em 2006 inteiro.

Como não há reposições na mesma escala, isso significa um encolhimento da polícia investigativa –que perdeu uma em cada seis vagas preenchidas nesse período.

O quadro se torna ainda mais preocupante diante do diagnóstico de envelhecimento da instituição, que deve se agravar nos próximos anos.

Hoje, há 48% mais policiais acima de 61 anos (1.010), já próximos da aposentadoria, do que com até 30 anos (681), em começo de carreira, conforme diagnóstico da corporação obtido pela Folha.

O mesmo levantamento aponta que 2.587 profissionais dessas três carreiras –mais de 12% do efetivo– já têm tempo suficiente para se aposentar.

"Nós, com 60 anos, não temos agilidade para correr atrás de bandido. Eu até brinco: passou do 60, tira a arma e dá uma bengala", diz João Batista Rebouças da Silva Neto, presidente do Sindicato dos Investigadores de São Paulo, para quem a polícia "está velha e desmantelada".

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) diz que a disparada de desligamentos foi agravada por lei de 2014, revogada no ano seguinte, que baixou a idade máxima para aposentadoria de policiais.

A explosão das baixas, porém, é uma tendência anterior a essa mudança –em 2013 foram 785 pedidos.

O governo destaca ainda a crise econômica e a Lei de Responsabilidade Fiscal como entraves para a contratação de funcionários.

CONTRATAÇÕES

O deficit no efetivo da Polícia Civil tem reflexos diversos –da espera para atendimento nas delegacias até os resultados das investigações. Em São Paulo, apenas 2% dos roubos são esclarecidos.

O impacto é agravado pela incapacidade do governo paulista em fazer contratações.

Em 2013, a gestão Alckmin anunciou um pacote para a segurança que previa, entre outras coisas, a contratação de 3.000 policiais civis para melhorar a investigação.

Um concurso foi aberto, mas as fases se arrastaram por mais de dois anos. E, de 2.301 candidatos aprovados, só 763 foram convocados. "A gente não tem data nem previsão nem informação", diz Luciana Peixoto Pinheiro Silva, 30, aprovada para delegada.

"Vira e mexe as pessoas perguntam: e o concurso? Nem sei mais o que dizer. Tem gente que acha que nem passei", afirma Jorge Augusto Val Barboza, 29, aprovado para escrivão. Ele diz que os aprovados são alvo de piadas.

"Teve gente ganhou distintivo de plástico, revólver de espoleta. Brincando, você até ri, mas, no fundo, fica chateado em ser motivo de piadas."

Do contingente chamado, só 49 são para delegados. Desde 2014, 379 policiais nessa função deixaram a carreira.

O deficit da Polícia Civil (incluindo a Científica) passou em dez anos de 8.370 para 14.810 agentes –alta de 77% de cargos não preenchidos.

"Estamos vivendo um momento muito difícil", diz a presidente da Associação dos Delegados, Marilda Pinheiro. "Se não houver pronta intervenção do governo, com nomeações de todos aprovados, além de abertura de novos concursos, a Polícia Civil terá decretado sua falência", afirma.

CONHECIMENTO

"Se a Polícia Civil não se repensar é bem capaz que, nos próximos cinco anos, ela seja extinta. E isso não é só São Paulo. Isso é uma realidade parecida no resto do país", diz Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para a professora de administração da FGV Maria José Tonelli, os dados do governo mostram que a polícia enfrenta hoje problemas que o Brasil terá daqui a 20 anos –quando a força de trabalho terá muitas pessoas velhas.

"De repente a gente vai ter um buraco muito grande, vai te que fazer uma recomposição às pressas, e não vai ter um processo de passagem de conhecimento, de transmissão intergeracional", afirma.

BARREIRAS

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) diz que não tem "medido esforço para investir nas polícias", tanto para a modernização de equipamentos quanto para a contração de mais funcionários.

Afirma planejar a reposição das aposentadorias, cita concursos e previsão de contratações, mas também as restrições pela crise econômica, que reduziu a receita, e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública diz que a reportagem não pode "ignorar que o Brasil atravessa a pior crise de sua história" e que a legislação "fixa limite de gasto de 46,55% com funcionalismo com base na arrecadação e nas despesas".

"Naturalmente, à medida que as receitam caem, o percentual de despesa não pode ultrapassar o limite. São Paulo tem reconhecido histórico de cautela fiscal e continuará respeitando os limites prudenciais da LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]", diz.

Anteriormente, o secretário Mágino Alves Barbosa Filho também culpou a crise econômica pela alta de roubos, especialmente de cargas.

CONCURSO

A secretaria afirma que, para a reposição de baixas, "principalmente por aposentadorias", o governador autorizou a abertura de concurso que preencherá 5.400 vagas para soldados da PM. "Os novos profissionais deverão entrar para a corporação em outubro de 2017", diz.

Para a Polícia Civil, segundo a pasta, foram "empossados 763 profissionais" das três carreiras e outros 1.538 "já foram aprovados em concursos", embora não haja prazo para serem chamados.

"Serão nomeados de acordo com a disponibilidade orçamentária", afirma.

O governo estadual diz que a perda de efetivo foi agravada por lei de 2014 que baixou em cinco anos o teto para aposentadoria de policiais.

"Com a lei, a idade máxima passou a ser de 65 anos. Com isso, houve a aposentadoria compulsória de 862 policiais civis entre 2014 e 2015. Em 2015, a lei foi revogada, mas os cargos não foram restituídos automaticamente", diz.

Colaborou ANDRÉ MONTEIRO, de São Paulo 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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