RODRIGO RUSSO E GIBA BERGAMIM JR. – FOLHA DE S. PAULO
Os desafios da futura gestão João Doria (PSDB) na área de transporte público vão muito além da definição da tarifa. Uma das questões mais urgentes que o prefeito eleito terá de resolver é a licitação do sistema municipal de ônibus, um assunto bilionário pendente desde 2013.
Em junho daquele ano, os intensos protestos contra o reajuste da tarifa e a qualidade dos serviços fizeram com que a administração Fernando Haddad (PT) suspendesse o procedimento e contratasse uma auditoria para verificar os pontos que poderiam ser aprimorados antes de concretizar a nova contratação –os serviços, desde então, são mantidos graças a acordos emergenciais.
Já contemplando alterações, um edital de licitação foi divulgado no fim do ano passado, mas o Tribunal de Contas do Município fez questionamentos e apontou falhas no documento, suspendendo o processo por nove meses, até julho deste ano –às vésperas da campanha eleitoral.
Devido a esse momento de incerteza, tanto para as empresas prestadoras do serviço quanto de Haddad, que não sabia se continuaria no poder, o certame não foi adiante.
Nos atuais moldes, a licitação seria a maior concorrência pública do setor no mundo, com valor superior a R$ 8 bilhões por ano de contrato –R$ 167 bilhões pelo prazo de 20 anos e que poderia ser renovado por igual período.
Para o especialista em transportes Flamínio Fichmann, no entanto, os planos anunciados por Doria para o transporte público podem ser incompatíveis com os termos dessa concorrência.
O prefeito eleito promete implementar um sistema de BRTs (transporte rápido de ônibus, na sigla em inglês) em parceria com a iniciativa privada, começando pelos corredores já dedicados aos coletivos na cidade para em seguida expandir a malha.
"Para fazer corredores em PPP ou em concessão é preciso ter receita, tem que ser pensado em conjunto a operação dos ônibus e a construção. Não daria só para licitar uma parte, como está hoje. A licitação precisaria vir acompanhada de um plano de estruturação, mostrando onde é mais necessário construir e quais empreendimentos ficam de pé", avalia Fichmann.
Atualmente, a cidade tem cerca de 130 km de corredores de ônibus, quantidade ainda insuficiente para atender com qualidade e velocidade aos mais de 9 milhões de usuários que passam diariamente pelo sistema.
Durante a campanha, Doria prometeu reduzir os tempos das viagens (os BRTs têm a compra de passagem na calçada para acelerar embarque), utilizar ônibus biarticulados e ainda diminuir a distância entre os veículos.
Duas dessas ideias do tucano já estavam contempladas pelo edital de licitação, que previa o aumento do número de coletivos articulados e exigia que as empresas que assumissem a operação dos serviços construíssem um moderno centro de controle.
Com essa central, seria possível monitorar todo o sistema em tempo real, o que permitiria destinar mais veículos para linhas que enfrentassem problemas de superlotação, por exemplo.
A Folha enviou questionamentos a equipe de transição de Doria sobre os planos da gestão para a licitação, mas não obteve resposta.
QUALIDADE
Para Horácio Figueira, mestre em transporte pela USP, em vez de recorrer ao governo federal para ajudá-lo a congelar a tarifa do ônibus em R$ 3,80, como prometeu durante a campanha, Doria poderia usar o apoio de Brasília para investir em qualidade.
"Uma boa proposta de um gestor seria dizer que, em vez de aumentar o subsídio em mais de R$ 1 bilhão para não reajustar a tarifa, a cidade investiria esse dinheiro, com verbas federais ou empréstimo do BNDES, para terminar três corredores ou BRTs nos próximos dois anos."
O especialista sugere inclusive três áreas prioritárias: a Radial Leste e as avenidas Aricanduva e 23 de Maio. "A oferta de infraestrutura está problemática, seria hipocrisia congelar a tarifa sem enfrentar essa questão", afirma.
Congelar a tarifa, na visão de Figueira, traria outro problema adicional: uma overdose de demanda aos ônibus, pois muita gente deixaria de usar o metrô e o trem para economizar. "Há várias linhas de ônibus paralelas à linha 3-vermelha e aos trens que vão para a zona leste, por exemplo. Isso não seria bom para a cidade", argumenta.
Na última sexta-feira (18), reportagem da Folha revelou que a equipe de Doria já estuda um recuo na promessa de congelamento da tarifa em 2017. Uma opção na mesa considera aumentar a passagem para um valor intermediário entre os atuais R$ 3,80 e os R$ 4,40 projetados pelo time de Doria na transição.
O custo adicional para congelar a tarifa chegaria a R$ 1,25 bilhão –valor suficiente para construir 30 km de corredores exclusivos para ônibus.
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.