ARTUR RODRIGUES – FOLHA DE S. PAULO
A paralisação de obras do metrô espalhou quarteirões fantasmas pela capital paulista. Parte dos quase 600 imóveis esvaziados para a construção de futuras estações está tomada por lixo, pichação e usuários de drogas.
Tanto o governo Geraldo Alckmin (PSDB) como um consórcio responsável por uma das linhas alegam falta de verba para as obras.
Por exemplo, há alguns anos, quem passasse pela área onde será construída a estação Água Rasa (zona leste), da linha 2-verde, veria pessoas nas calçadas e um comércio movimentado. Agora, o cenário é de casas abandonadas, pichadas e mato nas calçadas.
A parte dos imóveis que foi demolida virou um terreno baldio. O muro que cercava o local foi destruído e, do lado de dentro, é possível ver um sofá e restos de fogueira em meio a toneladas de entulho.
Nos estudos sobre segurança pública, a famosa teoria das "janelas quebradas" prega que a degradação urbana e os índices de criminalidade aumentam em áreas com aparência de abandono.
Moradores da Água Rasa já sentem os efeitos dessa mudança. À noite, dizem, o pedaço é tomado por usuários de drogas e criminosos.
"Não dá mais para passar aí a pé quando escurece, é um breu, um deserto", diz o dono de uma loja de óleo para veículos, Francisco Ramos, 69, há mais de 20 anos no local. "Vários clientes deixaram de vir aqui", afirma.
Sem verba, governo estadual e empresas paralisaram a construção de parte importante das novas linhas da cidade. O prolongamento da linha 2-verde até Guarulhos foi suspenso no início do ano até dezembro.
Atualmente, a linha liga a Vila Madalena à Vila Prudente.
Também as obras da futura linha 6-laranja, que ligará a Brasilândia (zona norte) à Liberdade (centro), foram prejudicadas. Em setembro, o consórcio Move SP – composto pelas empresas Odebrecht Transport, Queiroz Galvão, UTC Engenharia e pelo fundo Eco Realty, contratado pelo governo para construir e operar a linha em regime de PPP- anunciou congelamento dos trabalhos.
Inicialmente prevista para 2020, não há mais data para início da operação da linha.
Para as obras nas duas linhas, já foram esvaziados 598 imóveis. A reportagem esteve nas áreas de futuras estações nas zonas leste, oeste e norte e constatou que o descompasso entre o esvaziamento das construções e o início das obras gerou efeitos colaterais.
Nos quarteirões desapropriados, além da falta de segurança, a vizinhança diz que os imóveis são invadidos por pessoas em busca de materiais para ferros-velhos e também são usados para o despejo irregular de entulho.
DESPEJADOS
Na Brasilândia (zona norte), onde será construída uma estação da linha 6-laranja, os tapumes se estendem por quatro quarteirões ao longo da estrada do Sabão. O terreno cercado sem operários causa indignação em moradores que tiveram suas casas demolidas e hoje vivem de aluguel.
Nascida em Mossoró (RN), a dona de casa Antonia Zuza, 49, chegou na década de 1990 ao bairro com a família. Ela e o marido juntaram dinheiro e ergueram uma casa nos fundos do terreno do cunhado.
"Achei que nunca mais iria voltar ao aluguel. Hoje, estou pagando R$ 800 para morar com a minha família". Como o terreno não era dela, não receberá pela desapropriação.
Os proprietários dos terrenos que conversaram com a reportagem afirmam que, mesmo tendo entregue as casas, o dinheiro da desapropriação continua barrado por pendências judiciais.
"Morávamos há 50 anos naquela casa. Eles deram uma data e tivemos que sair sem nada", diz a dona de casa Claudete Souza, 66, que hoje paga R$ 1.000 de aluguel numa casa perto da antiga. "Ficamos sem casa e não vamos ver esse metrô pronto."
SAQUES E DENGUE
As centenas de casas e terrenos desapropriados para a expansão do metrô viraram cenário de garimpo urbano, depósito de entulho e também possível criadouro de mosquitos da dengue.
Os moradores dos arredores da futura estação Sesc Pompeia, da linha 6-laranja, contam que já presenciaram vários casos invasões de imóveis vazios em busca de materiais recicláveis.
"Eles entram para pegar qualquer coisa que possam vender: fios, móveis, ferro", diz o o comerciante Luís Antonio Cardoso, 59.
Ele mora bem ao lado de uma das casas desapropriadas. "Um cara deu três passos e subiu no muro da casa vizinha à minha. Bem na minha frente. Depois passou pelo meio da grade."
De madrugada, diz ele, o barulho dos catadores de recicláveis era tamanho que era difícil dormir. Cardoso diz que reclamações ao consórcio responsável causaram o reforço da vigilância no local, com rondas mais frequentes.
"Mas a situação continua ruim, porque ficamos vulneráveis e sem prazo para isso se resolver. Os tapumes pichados chamam a atenção, o mato cresce", diz.
Nos lugares em que as casas já foram demolidas, o principal problema relatado é o depósito de entulho.
O muro que cercava um grande terreno da futura estação Água Rasa da linha 2-verde, na zona leste, foi destruído. "Jogam de tudo aí", diz Rafael Felipe, 30, proprietário de uma loja de tintas nos arredores do canteiro de obras.
Ele diz que a situação gera preocupação com questões de saúde. "Isso aí é um perigo para dengue."
Característica comum entre os locais visitados pela Folha é a proliferação de pichações nos locais desapropriados.
"Mudou muito aqui. Isso aí que você está vendo na frente era um açougue, tudo bonitinho. E olha agora como está", diz a comerciante Margarida de Almeida, 72, apontando para um imóvel pichado. O local está reservado para as obras da estação Nova Manchester, da linha 2-verde.
Preocupado com a perda da identidade da Brasilândia (zona norte), onde será construída uma estação da linha 6-laranja, o professor James Pereira, 55, diz que resolveu registrar o antes e depois das obras por meio de fotos. "Fica como documento histórico."
OUTRO LADO
O Metrô de SP afirma fazer vigilância dos imóveis desapropriados e promete limpar os locais com entulho.
A companhia ligada ao governo de SP afirma ter tomado posse de 227 imóveis para as obras de prolongamento da linha 2-verde, dos quais 50 foram demolidos. Uma empresa terminará a demolição dos imóveis nas áreas reservadas para as estações da linha.
Segundo o Metrô, está em análise um edital para contratação de empresa para "a manutenção e limpeza dos terrenos, como a retirada dos entulhos, sanificação das áreas e fechamento com grades, além da reconstrução de suas respectivas calçadas".
A companhia diz manter vigilância "ostensiva motorizada em toda a extensão da linha durante 24 horas por dia". Segundo nota enviada à Folha, quatro vigilantes se revezam em dois turnos. Em caso de ocorrência nos terrenos, diz, a PM é chamada.
Os contratos das obras da linha 2-verde estão suspensos até dezembro "em decorrência da não liberação de limite pela União de um financiamento de R$ 2,5 bilhões via BNDES". Por isso, não há previsão de início dos trabalhos.
No caso da linha 6-laranja, a concessionária Move São Paulo paralisou as obras por não conseguir financiamento de longo prazo.
O governo notificou a empresa para que volte às obras, sob risco de penalidade, e tenta financiamento federal.
A linha prevê desapropriação de 371 imóveis privados, dos quais 344 já estão em posse da concessionária. Segundo o Metrô, as áreas são fiscalizadas pelo governo e, em caso de irregularidade, a Move SP pode ser multada.
Matéria publicada na Folha de S.Paulo.