FERNANDA PEREIRA NEVES – FOLHA DE S. PAULO
A equipe do prefeito eleito João Doria (PSDB) planeja que a gratuidade de ônibus para pessoas de 60 a 64 anos seja válida só a aposentados.
Segundo Sérgio Avelleda, que assumirá a pasta dos Transportes no novo governo, pessoas dessa idade que ainda trabalham voltariam a pagar a passagem integral.
"O benefício da gratuidade é destinado aos estudantes e aos idosos porque são dois grupos com renda baixa ou inexistente. Não faz sentido manter o benefício para quem está no mercado de trabalho", afirmou Avelleda à Folha nesta terça-feira (22).
Conforme a Folha revelou na última sexta (18), a equipe tucana estuda mudanças nas gratuidades dos ônibus para minimizar os prejuízos provocados pelo congelamento da tarifa de R$ 3,80 em 2017, promessa de Doria.
Avelleda reforçou a promessa de que a passagem de ônibus ficará congelada até, pelo menos, dezembro do ano que vem. "Não haverá nenhum tipo de aumento tarifário. Não existe a menor possibilidade", afirmou.
Pelo Estatuto do Idoso, lei federal de 2003, a gratuidade só é obrigatória nos transportes para quem tem mais de 65 anos. Na faixa etária entre 60 e 65 anos, esse benefício fica a critério de Estados e municípios. Em São Paulo, tanto governo quanto prefeitura estenderam o passe livre para esse grupo nos últimos anos.
Somando idosos, deficientes e estudantes de baixa renda, há atualmente cerca de 2,1 milhões de pessoas com o benefício na capital paulista.
A decisão de Doria de congelar a tarifa no ano que vem requer elevar em mais de 50% os subsídios ao sistema, que hoje já superam a marca de R$ 2 bilhões por ano.
O subsídio é o dinheiro repassado pela prefeitura às viações de ônibus para cobrir a diferença entre o que os passageiros pagam e os custos reais dos serviços prestados.
De acordo com o futuro secretário de Doria, a equipe está "estudando alternativas para aumentar a eficiência econômica, diminuir a ociosidade, sem prejudicar a qualidade do serviço".
O passe livre para desempregados, que chegou a ser defendido pelo atual prefeito Fernando Haddad, também já foi enterrado por Doria. "Não vamos fazer nenhuma outra gratuidade. Não há campo, espaço ou recurso para qualquer outra, por mais meritória que ela possa ser", afirmou o tucano, no último domingo (20), depois de discurso em evento do MBL (Movimento Brasil Livre).
A decisão do novo prefeito de congelar a tarifa provocou incômodo no governo Geraldo Alckmin (PSDB). Com a integração dos ônibus com o metrô e trens, o governo estadual teme arcar sozinho com o ônus político de um reajuste. Além disso, o Metrô já manifestou preocupação com uma possível fuga de passageiros, atraídos pelos preços menores dos ônibus.
PROTESTO
A possível mudança nas regras de gratuidade de ônibus já preocupa os beneficiados.
"Eu não sou de reclamar, mas pela gratuidade eu seria a primeira a protestar lá na frente da prefeitura", afirma em voz alta a desempregada Maria Aparecida da Silva, 63, "Não lutei tanto para chegar agora, nessa idade, e tirarem meus benefícios", completa.
No terminal Princesa Isabel, no centro de São Paulo, Maria Aparecida aguardava um ônibus, na manhã desta terça, para Santo Amaro (zona sul), onde faz tratamento contra um câncer. Na fila, outras pessoas concordavam com ela. "Um absurdo", "eles não podem fazer isso", eram algumas das frases.
"É safadeza [a reanálise do benefício]. Se soubesse, não teria votado nele [Doria]. Se for preciso, vou para a rua também", afirma a pensionista Ana Maria Santos, 63, que pegava um ônibus para buscar remédios para uma amiga.
A mesma revolta de Maria Aparecida e Ana Maria se repetiu em um ponto de ônibus da av. Angélica, na região de Higienópolis (centro). "Se falta dinheiro, vamos cortar benefícios de deputados, vereadores. Se começasse por eles, todos concordariam", dizia a aposentada Sônia Pupo Faedo, 69, arrancando aplausos de Rita Verdaguer, 71.
"Isso é um alerta. Os políticos não podem ir prometendo tudo, porque não vai dar para cumprir. Uma hora o dinheiro acaba. Mas se for para revisar alguma coisa, que não seja o direito dos idoso. A aposentadoria já é pouca e eles nem usam o transporte todos os dias", afirma a supervisora de telemarketing Azalea Capella, 63.
A diarista Cleusa de Souza Cabral, 60, começou a usar o benefício há poucos meses e também lamenta.
"Eu sempre paguei, mas como tinha direito [à gratuidade] resolvi usar também. Vai ser ruim se tirarem o benefício, mas eu ainda trabalho, estou na ativa. Imagino que será pior para quem vive só da aposentadoria".
"Isso é um direito adquirido, não tem nada que mexer", diz o aposentado Samuel Cirino, 62. Já a pensionista Zenir Sampaio conclui: "Sem a gratuidade não saio mais de casa".
Matéria publicada na Folha de S. Paulo.