Ainda que ele corra sem nem ser visto, nenhum rio aparece "do nada". Num pedacinho da Pompeia, bairro de classe média da zona oeste de São Paulo, o córrego da Água Preta, por exemplo, tem 13 nascentes em torno da praça Homero Silva –rebatizada pelos moradores de praça da Nascente.
Duas delas estão em meio a um terreno em que havia pequenos sobrados. Esse é o problema. As casas foram demolidas e, em breve, um prédio de 22 andares e três subsolos pode brotar ali –para desespero dos vizinhos e frequentadores da área verde, que temem que as fundações do "espigão" afetem o lençol freático e o afloramento do córrego.
Parte deles forma um coletivo, o Ocupe e Abrace, responsável pela revitalização dos 12 mil metros quadrados da praça onde há três anos o que existia era apenas mato alto e sujeira.
De acordo com a jornalista Adriana Carvalho, moradora do bairro, o que está em jogo é a sobrevivência da área verde, resultado do solo repleto de nascentes, e a própria manutenção do córrego –que se junta ao Sumaré, numa região onde ainda corre escondido o quase homônimo Água Branca.
O terreno em que o prédio deve ser erguido, pela construtora Exto, é separado da praça por um muro e no local, após a demolição das casas, o que se vê atualmente é uma grande área cimentada. Fechado por tapumes, de frente para a avenida Pompeia, pichações como "Assassinos de Nascentes" dão a tônica da insatisfação.
A empresa afirma que "todos os seus terrenos são criteriosamente analisados sob os aspectos jurídicos, legais e ambientais".
Na região, não é difícil encontrar água correndo pelas sarjetas, brotando de canos na frente dos prédios. "Essa era uma área com muitas outras nascentes. Não dá para saber quantas. O que acontece é que os edifícios foram sendo construídos sobre elas", diz Adriana. "Estamos sentados em cima de muita água e ela é tratada como se fosse esgoto."
No entanto, um estudo do SOS Mata Atlântica sobre nascentes e córregos identificou, em 2015, que na região metropolitana de São Paulo o único local com IQA (Índice de Qualidade da Água) classificado como "bom" era o das nascentes da praça Homero Silva.
"As pessoas só vão se dar conta do problema quando a água bater na bunda. Mas aí, vão ter outro problema: não vai ter mais água para bater em lugar nenhum", diz o artista plástico Daniel Caballero, que desenvolve um trabalho no local com plantas do cerrado paulista.
Uma estimativa de técnicos e especialistas é que existam cerca de 300 rios na cidade de São Paulo, a grande maioria deles subterrâneos, encobertos pelo desenvolvimento da metrópole.
Coordenador do projeto Observando Rios, do SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi diz que a construção vai trazer impactos no lençol freático e afetar o córrego. "Essa é uma realidade na cidade. E o que acontece aqui se repete Brasil afora. Na visão de modernidade, a água, os rios e as nascentes acabam virando um estorvo para o desenvolvimento econômico", afirma.
De acordo com a Secretaria de Licenciamento da prefeitura, ainda não há licença para o início das obras. Em 20 de outubro, fiscais da subprefeitura da Lapa vistoriaram o local e verificaram somente a execução de demolição, para a qual havia alvará. "Quando constatada a existência de nascentes, o proprietário deve informar a prefeitura e tomar medidas de proteção", diz a pasta.
Não é o que pensa Veronesi. Segundo ele, apenas as fundações de um prédio de 22 andares já seriam suficientes para afetar o lençol freático. Como três subsolos, como o projeto prevê, seria ainda mais difícil manter a integridade das nascentes.
A construtora Exto, responsável pelo projeto, afirma que toda a documentação do seu terreno na avenida Pompeia está de acordo com as normas vigentes nas esferas municipais, estaduais e federais. "Destacamos ainda que nenhuma obra será iniciada sem que seu licenciamento seja autorizado por parte desta municipalidade", diz a construtora.